Título: Brasil pode crescer mais que Índia, diz estudo do BNDES
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Brasil, p. A4

Relações externas Participação da indústria no PIB e diversificação das exportações são vantagens do país

Enquanto o Brasil crescia 2,7% ao ano naquela que, mais tarde, ganhou o apelido de "década perdida", a Índia comemorava expansão de 5,7% nos anos 80. Na década de 90, vieram as crises fiscais, os acordos com o Fundo Monetário Internacional e as reformas liberalizantes. A vida mudou para brasileiros e indianos, mas as taxas de crescimento anuais se mantiveram idênticas nos dois países: entre 1991 e 2002, a Índia cresceu 5,8% ao ano e o Brasil apenas 2,7%. Em 2003, o Produto Interno Bruto da Índia aumentou expressivos 7,4%. A economia brasileira encolheu 0,2%. A Índia tornou a crescer mais 7,3% em 2004. O Brasil teve expansão de 4,9% no período, mas durou pouco, porque as estimativas apontam alta de 2% em 2005. Por que processos de abertura da economia relativamente similares trouxeram resultados tão díspares? Para entender essa contradição e aprofundar os conhecimentos sobre o fenômeno asiático, o economista André Nassif, da área de planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), realizou amplo estudo sobre a Índia. O trabalho, intitulado "A economia indiana no período de 1950-2004 - da estagnação ao crescimento acelerado: lições para o Brasil?", foi publicado como texto para discussão do BNDES e está disponível no site do banco. O objetivo não é repetir aqui o modelo indiano, mas buscar "lições de inspiração" e identificar medidas a serem evitadas. Após uma comparação entre as economias brasileira e indiana, o BNDES chegou a uma conclusão surpreendente. "Se o Brasil orientar suas políticas dando prioridade ao crescimento, terá fôlego para crescer de forma mais sustentada que a Índia", diz Nassif. O comentário é otimista, mas, na avaliação do banco, está baseado em fatos concretos. A participação da indústria é bastante superior no PIB brasileiro na comparação com a economia indiana, que baseou o crescimento no setor de serviços. Em 2003, a indústria respondia por 37% do PIB do Brasil e apenas por 17% do PIB da Índia. O cálculo inclui indústria da transformação, serviços industriais de utilidade pública e construção civil. Além disso, a estrutura interna do setor industrial brasileiro é mais robusta e diversificada. Um cálculo de vantagem comparativa revela que o Brasil é competitivo em metalurgia, automóveis, aviões, papel e celulose, madeira, além de calçados e têxtil. Já a competitividade indiana é maior em têxtil, vestuário e móveis. Para Nassif, outro sinal de vantagem da economia brasileira é a diversificação da pauta de exportação de bens e o tamanho do fluxo de comércio. Em 2003, a Índia exportou US$ 57,6 bilhões. O Brasil embarcou US$ 69,9 bilhões no mesmo ano. Em 2005, as exportações brasileiras atingiram US$ 118 bilhões. Apesar do potencial brasileiro, é a Índia quem cresce mais e com baixa inflação. O país teve desempenho notável desde meados da década de 90 ao combinar crescimento do PIB real, estabilidade de preços e elevadas taxas de aumento das exportações. Nassif justifica o sucesso indiano como resultado das reformas liberalizantes estruturais, que aumentaram a produtividade, aliadas a uma política macroeconômica que dá prioridade ao crescimento e estabelece como meta principal a geração de empregos. "A Índia tem uma gestão orientada para o crescimento", afirma. A disciplina monetária indiana, com a dívida de curto prazo em 5%, também ajuda. No estudo, Nassif desenvolve a hipótese de que o desempenho da Índia não deve ser atribuído apenas aos impactos positivos das reformas econômicas, que aumentaram a competitividade e trouxeram a orientação exportada, mas também à coordenação do Estado nas atividades estratégicas. "Tornou-se lugar comum atribuir a solidez do crescimento da Índia apenas ao impacto das reformas", diz. O economista explica que a Índia começou a crescer de maneira expressiva no início da década de 80. As reformas começaram gradualmente em 1985 e foram mais intensas a partir de 1990. As mudanças da década de 80 contribuíram para criar as condições políticas para as reformas posteriores, mas o grau de abrangência foi pequeno. Até 1988, apenas 30% dos bens comprados pela Índia no exterior poderiam ser importados sem licença. Segundo Nassif, o crescimento do país nos anos 80 é conseqüência de expressivos déficits fiscais e de uma política "keynesiana" de estímulo da demanda. O déficit chegou a 10% do PIB, provocou uma crise fiscal e o país fez um acordo com o FMI na década de 90. A Índia também adotou um plano de estabilização dos preços, mas nunca chegou a conviver com hiperinflação. A alta de preços não superou 20%. A abertura econômica, com viés exportador, propiciou uma retomada do crescimento indiano. Para Nassif, o segredo do sucesso da indústria de tecnologia de informação da Índia é uma menor intervenção do Estado associada à baixa proteção para a importação de equipamentos e orientação exportadora precoce. Ele acredita que o Brasil foi até mais agressivo que a Índia durante a abertura, pois cortou mais suas tarifas de importação e liberalizou a conta de capitais, mas faltou planejamento. A Índia não abandonou os planos quinqüenais de desenvolvimento. Mesmo assim, o economista tem dúvidas sobre a sustentabilidade do crescimento econômico da Índia. "Só será sustentável se o setor de serviços criar externalidades suficientes para outros setores absorverem mais empregos", diz Nassif. A indústria de serviços da Índia exige empregados de média e alta qualificação, mas 60% da força de trabalho do país ainda está na agricultura. "Existe uma dificuldade de encadeamento entre os setores mais dinâmicos e o tradicional". O déficit fiscal do país, que chega a 5% do PIB, também é outra fonte de preocupação. Nassif conclui que o Brasil poderia aproveitar algumas "lições" da Índia: investir em educação para garantir o sucesso dos setores intensivos em tecnologia; ser prudente no corte das tarifas consolidadas da Organização Mundial de Comércio (OMC) para manter um espaço de política industrial; adotar políticas macroeconômicos de curto prazo dirigidas para o crescimento. Mas há experiências da Índia que o Brasil deve evitar: utilização de picos tarifários, que acabam aumentando o custo dos insumos e reduzindo a competitividade, e indisciplina na área fiscal. O estudo pode ser obtido na íntegra no site www.bndes.gov.br .