Título: A morte anunciada de um candidato
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Política, p. A6

O colégio eleitoral que escolherá o candidato do PMDB a presidente tem 20.515 delegados e 22.607 votos. Logo, se um dos dois candidatos até agora inscritos tiver 12 mil votos estará indicado, certo? Errado. O escolhido pode ser aquele que somar menor número de votos dos delegados, pois a apuração levará em conta o peso percentual de cada Estado para o cálculo do resultado final. Tem cheiro de queimado, por esse e outros motivos, e não será surpresa se este ou aquele grupo pemedebista vier a "melar" o jogo. As regras da prévia foram estabelecidas em uma reunião da Executiva Nacional, em setembro do ano passado. O alquimista, o deputado Eliseu Padilha (RS), ex-ministro de Fernando Henrique Cardoso e correligionário do governador gaúcho Germano Rigotto, um dos inscritos para a disputa. Mas o deputado Eduardo Cunha (RJ), ligado a Anthony Garotinho, o outro pré-candidato, apoiou e ajudou na elaboração da fórmula. O cálculo é simples, mas os resultados podem chegar à casa dos 11 dígitos: os votos dos delegados obtidos por cada candidato serão multiplicados pelo total de votos do PMDB em cada Estado, nas eleições de 2002, para senador. A exceção é Brasília, que contabilizará também os votos do governador Joaquim Roriz, sob a justificativa de que o Distrito Federal não tem prefeitos eleitos. Parênteses para um registro sobre o tratamento que a federação pemedebista dá a questões partidárias: na mesma reunião que definiu o cálculo para a escolha do candidato, o senador Maguito Vilela (GO), vice-presidente da sigla, propôs que o colégio eleitoral das prévias fosse integrado também pelas primeiras-damas do partido. A sério. O ex-governador do Rio Anthony Garotinho diz que os governistas do PMDB estão enganados sobre suas chances de sucesso por desconhecerem a regra da prévia. "O processo", como costuma dizer. Enganado pode estar ele, Garotinho. Simulações indicam que a equação é meio caminho andado para os caciques - quase todos - que desejam afastá-lo do caminho, seja para mais tarde compor o partido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seja com os tucanos de José Serra ou Geraldo Alckmin - esta, a disputa a cada dia mais nítida no PMDB. Uma das hipóteses analisadas: Rigotto e Garotinho levam 80% dos votos de seus respectivos colégios eleitorais, o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, respectivamente, mas Garotinho vence as prévias em Minas Gerais, com 52% dos votos dos delegados, São Paulo, com 51%, e Goiás, com 55%, ou seja, quatro dos seis maiores colégios do PMDB. Ainda assim, Rigotto seria proclamado vencedor ao final por uma diferença de 187 milhões de votos. Graças ao Rio Grande - o maior colégio, com 3.155 delegados - , onde bateria o ex-governador por 4,139 bilhões de votos a 1,034 bilhão (a ordem dos número de dígitos é esse mesmo, tanto que Padilha já pensa em cortar seis zeros no cálculo do resultado final).

Disputa do PMDB é entre o PT e o PSDB

O detalhe é que, nesses quatro Estados, à exceção do Rio, a avaliação é que Garotinho estaria avançando apenas em Minas. O ex-governador de São Paulo Orestes Quércia declarou apoio a Rigotto. E os outros dois dos seis maiores colégios eleitorais pemedebistas estão no Sul (Santa Catarina e Paraná), onde o governador gaúcho é presumivelmente bem mais forte. Tirar Garotinho do páreo é uma das poucas coisas que unem neste momento diversas correntes do partido. Os defensores de Lula, porque o ex-governador do Rio tira votos do presidente da República nas classes C, D e E. O segmento que, de acordo com os últimos levantamentos de opinião, sustenta a recuperação de Lula nas pesquisas. Uma recuperação que os governistas julgam consistente e que deve culminar num segundo mandato, de preferência com um pemedebista na vice. Os demais, por também, a exemplo dos primeiros, desconfiam da maneira como Garotinho negociaria o apoio do PMDB no segundo turno, de vez que ninguém acredita que ele seja capaz de desbancar PT e PSDB no turno. No limite, a ala pró-governo pode apoiar a candidatura de Germano Rigotto, na crença de que ele possa tirar votos do PSDB no Sul, a região em que a recandidatura de Lula apresenta mais fragilidade - segundo a pesquisa Datafolha divulgada no domingo passado, José Serra está com 59% das intenções de votos, contra 39% de Lula. Este também é um dos motivos que levam o presidente a insistir em ter o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, que é gaúcho, como companheiro de chapa. Já a ala tucana vê em Rigotto uma oportunidade de composição com o PSDB, especialmente José Serra, mais adiante. O governador do Rio Grande do Sul foi líder do governo Fernando Henrique. Com dois candidatos inscritos - e a perspectiva de um terceiro -, ficou difícil cancelar ou adiar mais uma vez a prévia. Mas nos bastidores da federação se trabalha com uma nova opção: não dar quórum para a eleição, para tirar a representatividade do candidato escolhido. Um quórum baixo permitirá aos descontentes contestar a legitimidade do escolhido na convenção de junho. Este fim, o fórum legal e definitivo para a formalização de um nome, seja para a Presidência da República ou para a Vice de um candidato. Se o caminho de "melar" as prévias por meio da falta de quórum falhar, há outras alternativas no paiol dos governistas. Entre elas o lançamento de um nome próprio às prévias. Fala-se no governador Roriz e no presidente do Senado, Renan Calheiros, que deixariam para se inscrever na última hora, para em seguida alegar igualdade de oportunidades com os dois candidatos já em campanha e pedir um novo adiamento das prévias. Recursos aos tribunais, como já ocorreu em outras ocasiões, desde já estão sendo considerados por uma e outra ala. Convenção do PMDB é assim mesmo - houve uma que acabou numa delegacia de polícia -, parecido com apuração de desfile de escolas de samba.