Título: Cuidado na compra da casa própria
Autor: Martins, Victor; Nobre, Letícia
Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2010, Economia, p. 12

Facilidades oferecidas pelas construtoras enchem os olhos, mas podem se transformar em um problemão caso os contratos sejam assinados no escuro

As ofertas tentadoras para a compra da casa própria estão por todos os lados. Crédito farto, prazos a perder de vista e facilidades no pagamento do sinal do imóvel são as principais armas usadas pelos corretores para desarmar os consumidores e levá-los a assinar contratos vendidos como oportunidade única. Mas, como tudo na vida, o que se mostra um bom negócio pode, mais à frente, transformar-se em uma tormenta, regada à insegurança e a irregularidades. O desejo de ter um lar para chamar de seu pode acabar em briga judicial, que, na maioria da vezes, tem tudo para ser evitada com cuidados simples. Os números reforçando a forte expansão do mercado mostram que todo cuidado é pouco. O total de unidades financiadas apenas com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) saltou de 285 mil para 408 mil entre 2008 e 2009 um crescimento de 43,41%, segundo o levantamento Setorial da Construção Civil feito pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A meta do sistema financeiro é ampliar esse volume em pelo menor 50% neste ano. Ou seja, não faltarão oportunidades para encontrar o imóvel ideal. Na trajetória para se evitar problemas, a conferência do memorial de incorporação é o primeiro item para um final feliz. Nesse documento estão reunidas as informações que demonstram a saúde financeira da construtora quando o empreendimento teve autorização para ser construído. Não se pode garantir que, depois de registrado, a empresa não tenha ficado irregular. Mas o memorial ainda é a melhor forma para se driblar uma série de contratempos, explica o procurador de Justiça Trajano Sousa de Mello. Integrante da Procuradoria de Defesa do Consumidor (Prodecon) do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), ele já mediou diversos acordos entre construtoras e clientes. E, com base na sua experiência, critica a cultura dos brasileiros de fechar contratos sem se preocupar com a segurança do negócio. As pessoas têm mais cuidado em comprar um carro do que um imóvel, diz. Trata-se de um erro e tanto, afirma.

Separação O advogado Pedro Lessi, especialista em direito imobiliário e do consumidor, tem a mesma opinião. E aconselha a todos investigar a vida das incorporadoras e escolher os empreendimentos a partir da constatação da idoneidade das empresas (veja dicas ao lado). A checagem deve levar em conta, inclusive, o patrimônio dos donos das construtoras. Quando falta capital, os proprietários recorrem aos próprios bens e os misturam com os do imóvel empreendido, como ocorreu no caso da Encol, virando uma bagunça, relembra. Esse caso, inclusive, levou o governo a criar o que, tecnicamente, se chama de patrimônio de afetação. O mecanismo, previsto na Lei n° 10.931, de 2004, separa os empreendimentos dos ativos das empresas. Ou seja, se uma delas vier a quebrar no período das obras, outra companhia poderá assumir o empreendimento, que estará com os recursos oriundos dos pagamentos dos compradores dos imóveis, preservados. Apesar de todos esses conselhos, o número de reclamações na Justiça e nos órgãos de defesa dos consumidores contra as construtoras não para de crescer. Mas, por mais que se chegue a um acordo, reverter os resultados da falta de cautela consome tempo e custa caro. Sem o memorial de incorporação, os compradores precisam provar a propriedade do imóvel quando há atraso ou abandono de obras. O mesmo ocorre quando há penhora desse bem para o pagamento de dívidas com fornecedores ou com a Justiça do Trabalho. O bloqueio judicial dificulta a negociações direta entre o cliente e o vendedor, explica o procurador Trajano. A Lei da Incorporação Imobiliária resguarda o futuro proprietário de um imóvel de dores de cabeça, mas poucos a conhecem, e as empresas não fazem questão de deixá-la explícita em suas ações, completa o advogado Pedro Lessi. Por isso, ele sentencia: É mais fácil fechar um contrato bem-sucedido conhecendo com quem se está negociando.