Título: PT ameaça processar FHC por calúnia
Autor: Maria Lúcia Delgado, Paulo de Tarso Lyra e Juliano
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Política, p. A6

A decisão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de mergulhar no debate eleitoral no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva começa a mostrar sinais de recuperação de popularidade elevou o tom da disputa entre petistas e tucanos. A reação dos petistas foi imediata. Ontem, o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), anunciou decisão da legenda de ajuizar ação contra o ex-presidente por calúnia, difamação e violação da honra. O PT protestará judicialmente com base na entrevista concedida pelo ex-presidente à revista "IstoÉ", no fim de semana. A ação será elaborada pela assessoria jurídica do PT até quarta-feira, com base no artigo 5º da Constituição, inciso X, que trata da inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização por dano moral ou material decorrente da violação. "A honra do PT, enquanto partido e instituição, foi atingida e, por extensão, a de todos os representantes do partido. Ética é um conceito de grupo, e o ex-presidente atribuiu ao PT a ética do roubo", contestou Berzoini. FHC afirmou, na entrevista, que a corrupção do atual governo é muito mais grave do que em outros casos da História porque teve a chancela do PT. Acusou o partido de obter lealdades em troca de dinheiro. "No governo Lula, a corrupção tem organicidade, foi arquitetada. É sistêmica", declarou. O ex-presidente acusou ainda o presidente Lula de ser beneficiário direto do esquema de caixa 2 de campanhas eleitorais que tiveram a participação do publicitário Duda Mendonça. "É paradoxal, mas a ética do PT é roubar. No PT, o militante acredita que está expropriando a burguesia para manter seus ideais. No fim, para o PT, os fins justificam os meios. Do contrário, como explicar uma pessoa como o Delúbio, que assumiu tudo?", provocou FHC. "Acho ótimo que processem FHC para que ele tenha a oportunidade jurídica de registrar nos anais todos os dados descobertos pelas CPIs", desdenhou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). O ex-presidente, segundo ele, não atacou todos os filiados e militantes petistas, mas somente as pessoas que integram o aparelho do Estado e que foram corrompidas. Para Berzoini, se FHC fosse um pouco mais cuidadoso - "um comportamento que seria conveniente a um ex-presidente da República" -, teria mencionado as ilegalidades cometidas e reconhecidas pelos petistas. "Se ele tivesse dito desta forma não teria incorrido em crime contra a honra", disse. O petista sinalizou que a estratégia do PT será levar o debate para o campo jurídico, evitando o bate-boca quando o tema for corrupção. "Estamos reagindo da maneira mais republicana possível. Não xinguei FHC. Não entraremos no baixo nível deles só porque querem fugir da retrospectiva." No PT e no Palácio do Planalto, a avaliação é que o PSDB vai evitar a todo custo análises comparativas com o governo passado e, por isso, vai insistir no discurso da corrupção. "Na comparação de projetos, eles sabem que estão derrotados. O PT colocou o Brasil no caminho do crescimento, inverteu a curva do desemprego, aumentou o salário mínimo, fez duas correções da tabela do Imposto de Renda em anos consecutivos, realizou um número expressivo de assentamentos para a reforma agrária, quadruplicou os investimentos do Pronaf, vai beneficiar 11 milhões de famílias com o Bolsa Família", citou Berzoini. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que FHC teme a comparação de resultados de seu governo com o de Lula e que, nessa campanha, o ex-presidente é movido por uma indignação seletiva, da qual a vítima é só o PT. "Acredito honestamente que o presidente Fernando Henrique entrou em campanha. Acredito que ele tenha medo da comparação dos números dos dois governos. Sou amigo pessoal dele, mas não acho que ele tenha prestado serviço ao Brasil dando esse tom panfletário", disse Thomaz Bastos. O ministro disse que FHC errou ao criticar o PT pelo suposto uso de caixa 2 na campanha eleitoral de 2002. Segundo ele, a questão foi levantada muitas vezes no governo passado. Por isso, a crítica do ex-presidente contra o PT seria injusta e incompleta. "A indignação dele é muito seletiva. Não pode haver dois pesos e duas medidas: indignação com o PT e complacência com outros partidos", disse o ministro. O staff político do governo avaliou que a entrevista de FHC é a prova concreta de que os tucanos sentiram o baque da reação de Lula nas recentes pesquisas eleitorais. Reunidos no Planalto, alguns ministros da coordenação política chegaram a sugerir ontem ao presidente Lula que seja escrito um artigo respondendo às críticas. "A reação de FHC foi 'over', beirando a histeria", disse um assessor. Segundo estrategistas políticos do Planalto, FHC está "agoniado", com a inversão da balança eleitoral. "O Serra está caindo, já não é mais líder em primeiro turno e perdeu a dianteira no segundo. Por essa, eles não esperavam". O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), classificou de "ridícula" a entrevista de FHC. Lembrou que, embora seja um ex-presidente, FHC não vem se comportando como tal. "Da forma como vem atuando, Fernando Henrique reduz-se ao papel de palestrante. Ele quer criar um fato político e o governo não deve cair nessa", acrescentou o líder petista.