Título: Economia global depende menos dos EUA
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Internacional, p. A8

Larry Summers, secretário do Tesouro dos EUA no governo de Bill Clinton, disse certa vez que a economia mundial estava "voando com só uma turbina", ao descrever sua excessiva dependência em relação à demanda americana. Hoje, afinal, o crescimento parece estar ficando mais equilibrado: a Europa e o Japão estão acelerando, bem como a maioria das economias emergentes. Por isso, se (ou quando) a turbina americana perder ímpeto, a aeronave mundial não irá, necessariamente, ao colapso. Por ora, a autoridade monetária americana crê que sua economia continua bastante bem. Na semana passada, em que Alan Greenspan, após 18 anos no cargo, passou a presidência do Federal Reserve, o BC dos EUA, a Ben Bernanke, o Fed elevou os juros para 4,5%. Fed disse ainda que um aperto monetário adicional "pode ser necessário" e não que "provavelmente será necessário", como havia dito antes. A maioria dos analistas espera que o Fed eleve a taxa de juros mais uma ou duas vezes, apesar de a economia já estar bem mais lenta no fim de 2005. O crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) caiu para uma taxa anual de apenas 1,1% no quarto trimestre, a mais baixa em três anos. Analistas logo atribuíram esse número fraco a fatores especiais, como o furacão Katrina e uma acentuada queda na venda de automóveis, após incentivos que estimularam a compra no terceiro trimestre. O consenso é que a economia voltará a crescer a uma taxa anual superior a 4% neste primeiro trimestre e ficará por aí. Isso soa muito otimista. Uma recuperação é provável nesse trimestre, mas o restante do ano pode se revelar desapontador, pois a desaceleração na construção de novas moradias vai pesar sobre os gastos dos consumidores. Em dezembro, a venda de moradias já existentes caiu muito, e o estoque de casas não vendidas cresceu. Economistas do Goldman Sachs dizem que (ajustado sazonalmente) o preço mediano das moradias caiu quase 4% desde outubro. Experiências do Reino Unido e da Austrália mostram que mesmo um "pouso suave" dos preços da moradias pode causar uma acentuada desaceleração nos gastos dos consumidores. Os consumidores americanos têm sido o principal motor não só de sua própria economia mas de todo o mundo. Se essa turbina falhar, a economia mundial vai desabar? Alguns anos atrás, a resposta teria sido, provavelmente, sim. Mas a economia global pode hoje estar menos vulnerável. No Fórum Econômico Mundial, em Davos, Jim O´Neill, economista-chefe do Goldman Sachs, argumentou convincentemente que um desaquecimento dos EUA não provocará perda de potência significativa no motor da economia mundial. No Japão, a taxa anual de produção industrial deu um salto de 11% no quarto trimestre. O Goldman Sachs elevou sua previsão de crescimento do PIB no quarto trimestre (o número oficial sai no dia 17) para uma taxa anualizada de 4,2%. Isso levaria o crescimento, em relação a 2004, para 3,9%, bem acima dos 3,1% dos EUA. O banco prevê que o PIB japonês vá crescer neste ano 2,7%. A forte demanda na Ásia pode compensar em parte um desaquecimento americano. O mercado de trabalho japonês também está em aquecimento. Em dezembro, a proporção de vagas sobre número de trabalhadores em busca de emprego cresceu para seu valor mais alto desde 1992 (veja o gráfico). Está mais fácil achar emprego agora do que em qualquer momento desde o estouro da bolha no início dos anos 90. A alta nas contratações também está forçando uma elevação de salários e benefícios, após anos de declínio. Renda maior leva a mais gastos: o consumo das famílias cresceu 3,2% em dezembro, em relação a 2004. E, segundo Richard Jerram, do Macquarie Bank, as vendas no varejo cresceram, em 2005, pela primeira vez num ano inteiro desde 1996. Em outras palavras, o crescimento japonês está menos dependente de exportações. Mesmo a zona do euro está saindo da calmaria. Na Alemanha em especial, uma vigorosa reestruturação empresarial ampliou substancialmente a produtividade e os lucros. Até agora, porém, isso tem acontecido à custa de empregos e salários, e portanto do consumo. Mas, com a retomada nos investimentos de capital, deverão acontecer novas contratações. O´Neill sugere que a Alemanha está onde o Japão estava 18 meses atrás. Os dados de emprego na Alemanha decepcionaram em janeiro. Após cair seguidamente em 2005, a taxa de desemprego subiu inesperadamente para 11,3%. Mas os números estão parcialmente distorcidos por mudanças na metodologia estatística e nas regras que definem quem tem direito a benefícios. Evidências apontam para melhora no mercado de trabalho. A pesquisa Ifo, que estima a confiança empresarial alemã, também sinaliza que a recuperação está contaminando os consumidores. Em janeiro, a confiança dos varejistas atingiu o maior ponto em cinco anos. Se a relação tradicional entre o índice Ifo de confiança empresarial e o crescimento do PIB se mantiver (veja gráfico), então a economia alemã pode crescer neste ano bem mais do que a maioria dos economistas está prevendo. Pela primeira vez em muitos anos, em 2006 a demanda interna alemã deve contribuir mais para o crescimento que as exportações. Segundo o Morgan Stanley, desde 1999 a demanda interna tem sido responsável por 95% do crescimento do PIB na zona do euro. Essas economias são, portanto, mais resistentes a choques externos do que, de modo geral, se supõe. Em toda a Europa as empresas estão mais animadas. A pesquisa da Comissão Européia (CE) sobre o sentimento das empresas detectou uma melhoria substancial em janeiro, atingindo um nível que poderá sinalizar um crescimento do PIB bem acima da previsão consensual de 2% para este ano. Um aquecimento da demanda dará mais ânimo aos "falcões monetaristas" no Banco Central Europeu (BCE). O banco deixou os juros inalterados em 2,25%, em 2 de fevereiro, mas muitos acreditam que o BCE elevará a taxa em março. O UBS julga que os juros chegarão a 3% em setembro. Isso pode afetar a recuperação? Provavelmente não: em termos ajustados pela inflação, as taxas seriam ainda assim baixas. As economias emergentes devem continuar aquecidas. Essas economias costumam ser vistas como muito dependentes de exportações, pouco contribuindo para ampliar a demanda. Mas cálculos do Goldman Sachs mostram que, nos últimos anos, Brasil, Rússia, Índia e China, juntos, contribuíram, em âmbito mundial, mais para a demanda interna do que para o crescimento do PIB. Eles elevaram a demanda mundial quase na mesma medida que os EUA. Se esse quadro persistir, um desaquecimento moderado nos EUA não brecará necessariamente a expansão no resto do mundo. Juntos, UE e Japão respondem por uma fatia maior do PIB mundial que os EUA, de modo que um crescimento mais rápido nessas regiões ajudará a sustentar a economia mundial. Um reequilíbrio da demanda - menor nos EUA e maior no restante do mundo - também ajudaria os americanos a reduzir seu enorme déficit em conta corrente. Tudo isso se baseia na suposição de que a economia americana vá desacelerar mas não entrará em recessão. O mundo está, sem dúvida, mais bem posicionado para enfrentar um desaquecimento dos EUA. Mas os desequilíbrios nos EUA criam o risco de que a possível correção possa ser mais dolorosa. Uma desaceleração mais profundo nos EUA seria sentida em todo o mundo. (Tradução de Sergio Blum)