Título: Estratégia da Mittal é tirar rival do jogo da consolidação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Empresas &, p. B8

Lakshmi Mittal e Guy Dollé, os chefes das maiores siderúrgicas do mundo, Mittal Steel e Arcelor, há muito concordam em uma coisa: a indústria mundial do aço em breve será dominada por um punhado de gigantes do setor. O problema é que Dollé presumia que a Arcelor seria uma dessas gigantes. A Mittal Steel, no entanto, lançou uma oferta hostil para engolir sua maior concorrente e Dollé luta furiosamente para manter a independência de sua empresa. O pano de fundo da batalha é o aumento, de longo prazo, na demanda por aço. O metal - que algum tempo atrás era visto como um produto doente, que precisava de cuidados especiais governamentais, em função de razões estratégicas e sociais - é mais uma vez um negócio rentável. Mittal construiu seu conglomerado comprando rivais em um mercado que era notavelmente fragmentado. Nos últimos 20 anos ele absorveu siderúrgicas por todo o mundo, do México até a Argélia e Casaquistão. A estratégia levou o grupo da obscuridade para o topo da classificação das siderúrgicas mundiais. Como Mittal normalmente ia atrás de empresas com fracos desempenhos em fase de privatização ou acertava compras amigáveis, era freqüentemente elogiado como forasteiro útil, que trazia vigor a um setor decadente. Esses dias de bonança acabaram. A oferta hostil - sem aval da diretoria da empresa a ser comprada - de US$ 23 bilhões apresentada por Mittal para adquirir a Arcelor foi recebida desfavoravelmente em grande parte da Europa. Dollé combate-a com todas as armas que tem à mão. O executivo questiona o modelo de negócios de Mittal, seu histórico de segurança para os trabalhadores e sua administração. Embora insista em dizer que o acordo será decidido pelos acionistas, e não por políticos, ele também se preocupou em mostrar a Arcelor como uma peça central para a força econômica européia. A oferta, 25% em dinheiro e 75% em ações da Mittal, avalia a Arcelor em cerca de 25% a mais do que o valor das ações antes do seu anúncio. As duas empresas, combinadas, teriam participação de 10% no mercado mundial do aço - o triplo do que os concorrentes mais próximos. A Arcelor é mais forte na Europa Ocidental e em produtos de maior valor agregado; a Mittal tem maior presença fora da União Européia e no mercado de aço de menor qualidade. Nenhuma das duas é forte na China, onde a oscilante produção local foi 77 milhões de toneladas maior em 2005. Mittal, entretanto, acredita que "com as forças combinadas" poderá acelerar a presença na Ásia. Ainda levará meses para ficar claro se a oferta será bem-sucedida ou não. O conselho de administração da Arcelor rejeitou a proposta de imediato. E Dollé teve certo êxito em arregimentar oposição política ao acordo na Europa. Mittal, porém, está confiante. Depois de reunir-se com autoridades francesas, ele insistiu que "eles não fecharam a porta, na verdade, buscam abrir uma janela". Ele rejeita completamente a idéia de que sua firma não compartilha dos valores "europeus" da Arcelor. "Somos europeus", insiste, apontando para a sede da Mittal Steel, em Londres, e seu registro fiscal em Roterdã. Ele propôs mudar a sede da empresa para Luxemburgo. Ele também promete que não haverá cortes de emprego na Arcelor "como resultado desta fusão". Mittal acredita poder finalizar o acordo até junho. A Arcelor poderá tentar alguma espécie de artifício para desvalorizar a empresa aos olhos da Mittal. Uma opção é aliar-se a outra grande siderúrgica, como Nippon Steel, para evitar a incursão indesejada. Mittal poderia elevar sua oferta nas próximas semanas, caso a Arcelor tente tal manobra. Dollé também tenta alçar a questão da governança corporativa, denunciando planos do rival para manter a firma combinada sob controle familiar. Este parece ser o maior buraco na armadura da Mittal. Quando pressionado sobre a validade de colocar seu filho de 30 anos como presidente e diretor financeiro da empresa, o homem de aço pareceu empacar. Seu filho, Aditya, "mereceu" a posição, afirmou Mittal, e é um "gênio". Talvez, mas a aparência de nepotismo não ajudará em sua causa. Qualquer coisa que aconteça neste acordo em particular, a tendência de fusões globais agora parece ser irreversível. Roger Agnelli, chefe da Vale do Rio Doce, do Brasil, maior produtora mundial de minério de ferro, disse que o aço se tornou um "jogo de gigantes". "Todos, agora, estão em ação", observou Dick McLaughlin, da consultoria Hatch. A U.S. Steel, a sul-coreana Posco, a alemã ThyssenKrupp e mais a dezena de empresas atrás delas em porte. Não eram alvos de compra; agora estão vulneráveis. As empresas que poderão juntar-se à Mittal Steel na onda mundial de fusões virão, segundo McLaughlin, da Rússia, Brasil e, possivelmente, até da China. A ascensão da China como uma superpotência da siderurgia e seu potencial para inundar os mercados globais, certamente, ajudou a acelerar as fusões. No fim de 2005, por exemplo, Arcelor e Thyssen entraram em uma acirrada disputa pela Dofasco, do Canadá. No fim, a Arcelor ganhou, mas Mittal prometeu repassar o prêmio à Thyssen, caso sua oferta prevaleça. Essas guerras de ofertas podem ser outro motivo a impulsionar a Mittal Steel a comprar a Arcelor, além do desejo de criar uma potência global do aço: livrar-se de seu principal concorrente na onda de fusões. Depois de derrotar a Arcelor no recente leilão de uma siderúrgica na Ucrânia, Mittal indicou que a disputa havia elevado o preço final em cerca de US$ 2 bilhões. Mittal também espera que um grupo novo e ampliado terá condições de liderar o resto do setor, enviando sinais sobre quando moderar a produção, aliviando dessa forma o impacto dos altos e baixos na demanda que tanto atormentam o setor siderúrgico. No fim das contas, independente de Mittal ou Arcelor vencerem, há motivos de otimismo sobre o aço. O setor, que era considerado de alçada dos governos, agora cada vez mais se vê sujeito às forças do mercado. Isso significa que o aço não é mais algo especial ou estratégico? "Vejo o aço como um negócio normal", diz Mittal. Até agora, essa tem sido uma grande fórmula de sucesso.