Título: Projeto traz mudanças radicais ao câmbio
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Finanças, p. C1

Regras Uma das propostas acaba com cobertura para a exportação

O líder do governo no Congresso, senador Fernando Bezerra (PTB-RN), e presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), apresentam amanhã um projeto de lei complementar que promove uma profunda liberalização do mercado de câmbio. Baseado em sugestão da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), a proposta revoga, numa só tacada, dispositivos de onze leis, decretos-lei e decretos que formam e espinha dorsal da legislação que disciplina as transações cambiais no país. Se aprovada a proposta, será extinta a exigência de cobertura cambial para as exportações - ou seja, a obrigação de que as empresas tragam ao país e convertam em reais a receita de suas vendas ao exterior. Também seria revogada a Lei 4.131, aprovada em 1962, no governo João Goulart, que exige o registro de capitais estrangeiros que ingressam no Brasil e as remessas de lucros, juros e dividendos. O projeto amplia ainda o grupo de situações em que é permitida a abertura de contas em dólares. "Não é nossa pretensão fazer o melhor projeto possível sobre o assunto", disse Bezerra. "Queremos é dar início a essa discussão." Bezerra diz que, embora a iniciativa seja do senador e não do líder, foram feitas consultas prévias a técnicos do Banco Central, e a proposta foi entregue ao secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Murilo Portugal. Para ele, a co-autoria com Calheiros deverá acelerar a tramitação do assunto no Senado. Salvo pequenas alterações, o projeto é o mesmo elaborado pela Fiesp, cujo conteúdo foi antecipado em janeiro pelo Valor. Os empresários defendem, principalmente, o fim da exigência de cobertura cambial, que impõe um elevado custo de transação para exportadoras. O sistema, segundo eles, provoca principalmente dois tipos de distorção. Uma é obrigar os exportadores a trazerem ao país dólares de suas vendas ao exterior em 210 dias, o que impede que as empresas aguardem a melhor taxa para fazer a conversão. Outra distorção é que a legislação não leva em conta o fato de que, dado o atual grau de abertura da economia, grandes empresas são ao mesmo tempo importadoras e exportadoras. Pela regra em vigor, as empresas tem que trazer os dólares ao país de suas exportações, convertendo-os em reais, para, em seguida, converter esses mesmos reais em dólares, para pagar importações. O projeto dos senadores permite que as empresas tragam os recursos de suas exportações ao Brasil e os mantenham em uma conta em dólares, que podem ser usada para saldar compromissos no exterior. Não será permitido, porém, usar esses recursos em pagamentos dentro do país - portanto, fica mantido o curso forçado da moeda nacional. Na verdade, a proposta é que essas contas em dólares sejam abertas por qualquer um, quando "os recursos forem originários de créditos e haveres na mesma moeda". Pela regra atual, essas contas são permitidas em nove situações específicas, entre elas agências de turismo, administradores de cartões de crédito e empresas do setor energético. Há críticas, porém, ao fim da cobertura cambial. Um artigo acadêmico dos ex-diretores do BC Gustavo Franco e Demosthenes Madureira Pinho Neto lembra que o Decreto 23.258, de 1933, ao mesmo tempo institui a cobertura cambial e define o que é subfaturamento de exportações ou superfaturamento de importações. Sem essa base legal, a Receita Federal terá que formular outra para combater a sonegação ligada ao comércio exterior. Para evitar críticas de quem é contra a abertura da conta de capitais, o projeto mantém a previsão de que o Conselho Monetário Nacional (CMN) poderá "impor restrições ao livre fluxo de divisas, inclusive outorgando ao BC o monopólio temporário das operações de câmbio quando ocorrer grave desequilíbrio no balanço de pagamentos ou se houver sérias razões para prever a iminência de tal situação". A revogação da Lei 4.131 é também vista com reserva por alguns especialistas. O registro é considerado uma garantia por muitos investidores de que os capitais aplicados no país e suas remunerações estão protegidos de eventuais centralizações.