Título: Preocupação é o cumprimento dos contratos
Autor: Mara Luquet e Janes Rocha
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Finanças, p. C8

Gabriel Jorge Ferreira, presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, diz que o setor financeiro não quer privilégios, nem ser tratado de maneira diferente de outros agentes econômicos, mas que é cada vez mais vital o cumprimento de contratos sob pena de inviabilizar alguns produtos financeiros. Estes são os principais trechos da entrevista:

Valor: O Sr. disse que o setor financeiro não quer privilégios, nem ser tratado de maneira diferente de outros agentes econômicos, mas que é cada vez mais vital o cumprimento de contratos. O Sr. acha que o CDC, de alguma forma, estimula o não cumprimento de contratos? Gabriel Ferreira: Não. A visão é de que os bancos são intermediários financeiros e também prestam serviços, têm relações de outra natureza com seus clientes. O banco é intermediário entre os depositantes e o tomador de crédito. São as chamadas operações ativas e passivas. A remuneração dessas operações é estabelecida pelo mercado, tendo como balizador a política monetária. O contrato que se faz com o depositante é na presunção de que as cláusulas contratadas vão prevalecer em toda sua integridade de acordo com as regras atuais.

Valor: Ou seja, os bancos lidam com uma "mercadoria" que é regulada pelo BC. Mas a partir daí entram vários outros serviços... Ferreira: Sim. Os bancos prestam vários serviços, e quando falo em bancos falo também das financeiras, as companhias de crédito imobiliário. Nas relações de prestação de serviços, há uma série de atividades que as instituições financeiras praticam e esse assunto não está em discussão. Os bancos sabem muito bem que se pautam não só pelas normas do BC mas também pelo Código de Defesa do Consumidor.

Valor: Então, o que se discute na Adin? Ferreira: A Adin teve um escopo maior quando foi proposta, três anos atrás, em que se discutia a questão de competência do legislador ordinário para regular a matéria financeira, já que a lei do sistema financeiro está disciplinada numa lei complementar (4.595), de acordo com o artigo 192 da Constituição. Mas é óbvio que essa legislação (complementar) não regula todos os aspectos que dizem respeito ao funcionamento de uma instituição financeira. E tem também particularidades, porque exerce uma atividade autorizada, que lida com a poupança pública, têm regras de funcionamento extremamente disciplinadas pela autoridade supervisora e reguladora. Em função disso, têm alguns aspectos da atividade que as empresas em geral não estão sujeitas.

Valor: Por exemplo? Ferreira: Por exemplo, as instituições financeiras têm níveis mínimos de capitalização de forma tal que estejam capacitadas a assumir os riscos de sua atividade. É assim no mundo inteiro.

Valor: Mas essas regras são impostas pelo BC para garantir a solvência do sistema financeiro, que é o óbvio, para operar o banco tem que ter um mínimo de solvência. O CDC atrapalha essas regras? Ferreira: Não, não atrapalha, estou apenas desenvolvendo um raciocínio para vocês entenderem o que separa o setor financeiro de outros setores da economia. Mas acho que a diferença fundamental é que setor financeiro não pode exercer nenhuma atividade que não esteja expressamente autorizada pelas normas emanadas pelo CMN ou BC.

Valor: O Sr. disse que a Adin, a princípio era mais ampla, o que isso quer dizer? Ferreira: Ela pediu que fosse declarado inconstitucional um dispositivo do CDC que dizia aplicar-se inclusive às operações financeiras, creditícias e de seguros. O CDC tem alguns instrumentos fortes e importantes para a plena defesa do consumidor, que são os mecanismos da ação civil pública ou coletiva, propostas pelo Ministério Público ou pelos órgãos de defesa do consumidor, que podem entrar com ação se insurgindo contra uma cláusula contratual, uma taxa de crédito ou o valor de remuneração de um depósito. Se você consegue na Justiça uma mudança de contrato, alterando uma taxa de juros, um indexador ou mudando o prazo de uma operação de crédito, na prática você está descasando ativos e passivos.

Valor: Ou seja, pode gerar um risco para o banco... Ferreira: O fundamento do negócio financeiro - e o grande desafio das tesourarias dos bancos - é o casamento entre ativos e passivos. E aí é bom lembrar que consumidor não é apenas aquele que usa o serviço ou toma crédito numa instituição financeira, o depositante também é consumidor. Então estamos falando de preservar a integridade das operações ativas e passivas.

Valor: Se a Adin for aprovada, o banco não teria mais que cumprir o CDC? Ferreira: Não, a relação com cliente é antes de mais nada ter para quem vender seu produto. A razão de ser de qualquer negócio é o consumidor. O banco têm necessidade do cliente, ele é o primeiro interessado em tratar bem o cliente e de acordo com a lei, seja CDC sejam as normas do BC. O cerne da questão é se o CDC quis dar ao poder Judiciário o poder de mudar uma taxa de juros ou uma remuneração de depósito. (M.L. e J.R.)