Título: A volta do rosé com os mesmos riscos do passado
Autor: Jorge Lucki
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, EU &, p. D6

Convenhamos: por mais apego que se tenha a vinhos tintos - eles representam cerca de 85% do vinho vendido no Brasil - está difícil consumi-los no dia-a- dia com o calor que tem feito. Se for para abrir mão dessa predileção, e o caminho mais evidente aponta para os brancos, por que não dar um passinho mais arrojado, abrir mão de certos preconceitos e tentar os rosés? Antes de negar a hipótese e sequer pensar a respeito, saiba que seu consumo vem crescendo consistentemente na Europa nos últimos anos, e muitos vinicultores franceses, sobretudo do sul do país, estão deixando de considerá-lo como algo marginal, passando a aumentar sua produção e a investir em qualidade. Sua crescente popularidade ensejou um site dedicado ao gênero (www.drink-pink.com), bem como a publicação de um livro, o "Rosé Exposé", que pode ser obtido naquele endereço da Internet ou pela Amazon. No fundo, é o renascimento de um vinho que foi moda nas décadas de 50 e 60 e entrou em decadência, vítima de seu próprio sucesso. O rosé surgiu com toda força após a Segunda Guerra no sul da França, mais especificamente na Provença, como tentativa de empurrar a produção de vinhos locais, mal servida de bons e refrescantes brancos para saciar a sede de seus habitantes durante o verão e da leva de turistas que a invadia na estação. A onda logo se alastrou para outras regiões francesas e outros países, sem a preocupação e nem o suporte técnico necessários para a elaboração de bons vinhos. O resultado foi uma enorme quantidade de rosés banais, pesados, para consumidores pouco exigentes. Embora com outra denominação, os vinhos rosés já tiveram reconhecimento em tempos passados. Na Antiguidade falava-se de vinho branco, tinto, e ... preto(!). Este último, considerado uma bebida inferior, era reservado para os criados e escravos. O tinto era, na verdade, rosado na cor até por volta do século XVII, daí, inclusive, o nome "claret" - derivação de vin clair, ou clairet, que significa claro em francês -, como ficaram conhecidos os Bordeaux importados pelos ingleses. O processo de elaboração daqueles tintos é basicamente o mesmo que se utiliza nos rosés atuais. Obtido a partir das mesmas castas com que é feito o vinho tinto, o rosé apresenta uma tonalidade bem mais clara porque, na fase de vinificação, fica pouco tempo em contato com a casca, componente da uva onde estão os pigmentos responsáveis pela coloração da bebida. Após algumas horas de maceração, o líquido é separado das cascas, seguindo num processo de fermentação similar ao do vinho branco. A pouca extração de cor é igualmente acompanhada de pouca extração de taninos - substância responsável pela longevidade da bebida e também presente apenas na casca da uva -, o que faz dos rosés vinhos para serem consumidos jovens. O fato de terem de ser necessariamente obtidos a partir de uvas tintas e começarem seu processo de elaboração como vinho tinto e o terminarem como branco, faz com que os rosés tenham um pouco da característica de ambos. De fato, além da cor intermediária, um vinho rosé típico tem, na média, mais corpo que os brancos, mas tem pouco tanino e bem menos estrutura que os tintos, mantendo um aspecto frutado original, com leves frutas vermelhas, tipo framboesa. Se isso explica a imagem negativa de ser a opção do consumidor indeciso, que na dúvida entre um branco ou um tinto fica no meio, não deixa de ser verdade que existe um largo espaço entre os dois gêneros opostos e ele tem como ali se posicionar. Para tanto, e acima de tudo, os rosés devem ser leves e com bom frescor, descartando-se os pesados e alcoólicos. São vinhos de prazer, de verão, para serem servidos refrescados, entre 10 e 12 graus, deixando o tempo passar com um prato de frios do lado, ou escoltando pratos que seriam massacrados por tintos potentes ou que passariam imperceptíveis diante de branquinhos ligeiros. É, por exemplo, impensável servir um frango ao curry diante de um Bordeaux ou um Chianti, assim como um denso bacalhau ao forno com um leve Vinho Verde. Um rosé de boa qualidade também é boa pedida para pratos da culinária mediterrânea como Bouillabaisse (a famosa caldeirada da Provence), champignons à provençal, aïoli (maionese com alho e azeite), e outras receitas com azeite e azeitonas, assim como para acompanhar peixes e frutos do mar em molhos consistentes e carnes brancas em geral. Alguns mais famosos e de qualidade, outros nem tanto, há um consenso de que os melhores rosés provém do sul da França, afinal foi lá que eles ressurgiram. As castas típicas da região também contribuem para isso, em especial a Grenache, a Cinsault, a Syrah e a Mourvèdre, que podem entrar sozinhas ou combinadas, marcando bastante o estilo de cada vinho. Da mesma forma, e com uvas locais, produtores mundo afora estão aproveitando o momento e aderindo à nova onda, nem sempre com bons resultados. É onde o consumidor, que se libertou de preconceitos e deu força para reerguer o vinho rosé deve estar atento. Se for para tomar vinhos rosés que são rosés só na cor e estão aí só para entrar no clima de descontração que o verão proporciona, é melhor recuar porque tem sempre um bom branco ou um bom tinto que se adequa bem ao momento.