Título: Fazenda vai tentar anular planos de recuperação judicial sem CND
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 07/02/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Falências Juízes do Rio e de São Paulo homologam processos de empresas com pendências fiscais

A Fazenda Nacional começa a se movimentar para tentar evitar a proliferação de decisões judiciais que homologuem planos de recuperação judicial sem que a empresa a ser recuperada apresente a certidão negativa de débito (CND) - que nada mais é do que um comprovante de que a conta com o fisco está acertada. Os embates com a primeira instância começaram há duas semanas na Justiça do Rio de Janeiro, que julga o caso Varig, e a Fazenda saiu perdendo. Os procuradores entraram com um instrumento jurídico chamado embargos de declaração - um pedido de impugnação - para tentar reverter a homologação da recuperação judicial da Varig, que foi concedida sem que a companhia esteja em situação de regularidade com o fisco. O juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Rio, rejeitou o pedido de impugnação alegando a ilegitimidade da Fazenda Nacional em um processo de recuperação judicial, pelo fato de ela não pertencer a nenhuma classe de credores. O juiz defendeu que a Receita Federal somente poderia partir diretamente para uma execução fiscal, que, trocando em miúdos, seria pedir a falência da Varig. O procurador-chefe da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no Rio de Janeiro, Marco Antônio Boiteux, diz que vai recorrer ao Tribunal de Justiça do Estado (TJRJ), pois acredita que o fisco se tornou parte legítima no processo quando os juízes isentaram a empresa de apresentar a CND. "A decisão fragilizou a cobrança da dívida", disse. Além disso, Boiteux afirma que a Rio Sul e a Nordeste, companhias pertencentes à Varig, foram excluídas do sistema de parcelamento tributário Paes e possuem uma dívida com a Receita de cerca de R$ 40 milhões. "A empresa tenta se valer de uma decisão judicial no Rio Grande do Sul que permitiu a compensação de créditos tributários com as parcelas do Paes, mas que valem somente para a Varig", diz o procurador. A recuperação da Varig é um caso à parte se comparado aos outros processos em curso pelo Brasil, e o principal diferencial é uma ação que corre no Superior Tribunal de Justiça (STJ), da Varig contra a União. No processo a aérea já tem decisão que estabelece que ela tem direito à reposição de tarifas - uma causa de quase R$ 4 bilhões. Boiteux, da procuradoria da Fazenda, lembra, entretanto, que a questão ainda não transitou em julgado, ou seja, não há uma decisão final da Justiça, e por isso é temerário contar com a vitória da Varig. De qualquer forma, os juízes cariocas entendem que não é justo levar uma empresa à falência por dever a um credor que ao mesmo tempo é dela devedor. A juíza Márcia Cunha, também da 8ª Vara Empresarial, diz que as três empresas envolvidas no processo - Varig, Rio Sul e Nordeste - têm ação de revisão tarifária. O advogado da Varig, Paulo Penalva, do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados, comemorou a decisão porque obter a CND poderia comprometer a recuperação da empresa, segundo ele. Ele diz ainda que, caso prevaleça essa orientação no Tribunal de Justiça do Rio e no STJ, o fisco não poderá recorrer das decisões que concederem a recuperação judicial, mesmo sem a comprovação da regularidade da situação tributária e previdenciária. Mas a questão está longe de ser pacificada. Os próprios juízes do Rio acreditam que não se pode deixar de exigir a regularidade com os impostos. A juíza Márcia Cunha diz que o caso Varig é diferente por causa da disputa com a União, mas em outros planos de recuperação será imprescindível que a empresa esteja regular com o fisco. "Não podemos incentivar a inadimplência", diz Márcia. Já os juízes paulistas têm um entendimento diferente, marcado na última sexta-feira pela homologação do plano de recuperação da Parmalat pelo juiz Alexandre Alves Lazarini, da 1ª Vara de Recuperação e Falência de Empresas de São Paulo, sem que a empresa apresentasse a certidão negativa de débitos. A causa da divergência de entendimentos está no artigo 57 da Lei de Recuperação de Empresas e Falências - a Lei nº 11.101 - que estabelece que, após a aprovação do plano de recuperação pela assembléia-geral de credores, o devedor deverá apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos do Código Tributário Nacional (CTN). O advogado Júlio Mandel, especialista em falências e recuperação, acredita que a discussão não deve se aprofundar muito. Ele diz que quando a lei foi aprovada na Câmara dos Deputados em primeira votação, havia ao fim do artigo uma determinação de se decretar a falência da empresa que não possuísse a CND. "Essa imposição foi retirada do texto final, aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente da República, ficando claro que a decretação da falência não era a intenção do legislador nesses casos", diz Mandel. Mas a procuradoria da Fazenda não pretende aceitar a possibilidade de homologação dos planos de recuperação sem a certidão tão facilmente. A procuradora-chefe da PGFN de São Paulo, Alice Vitória de Oliveira Leite, diz que vai recorrer da homologação do plano da Parmalat. Assim, a questão deve ir ao STJ para a decisão final.