Título: Câmbio: em busca da boa intervenção
Autor: Gustavo Loyola
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2006, Opinião, p. A9

O Banco Central e o Tesouro Nacional têm intervindo no mercado cambial, com vistas a atenuar a trajetória de apreciação da moeda brasileira. Essas intervenções, tendo em vista o elevado diferencial entre os juros domésticos e os externos, implicam custos fiscais significativos, fato que, por si só, indica que há limites à continuidade dessa política ao longo do corrente ano. Partindo da hipótese de que o diferencial positivo de juros ainda será mantido nos próximos meses, em que pese a esperada trajetória de gradual redução da Selic, e tendo em vista a previsão de uma sobra, em 2006, de cerca de US$ 22 bilhões nos fluxos cambiais do setor privado, há as seguintes opções para a condução da política cambial ao longo de 2006, caso as autoridades ainda persistam em seu objetivo de evitar a apreciação do real:

1) redução da dívida cambial líquida, tanto pela aquisição de reservas internacionais quanto pelo resgate de dívida interna e externa em títulos;

2) aumento da posição comprada em derivativos cambiais domésticos, por meio da oferta de swaps reversos;

3) introdução temporária de controles cambiais à entrada de capitais externos, à moda chilena;

4) estímulo ao aumento da demanda por divisas, por meio da remoção de entraves regulatórios presentes na arcaica legislação cambial brasileira e também pela redução das restrições tarifárias e não-tarifárias às importações.

A primeira opção seria a continuidade da política dos últimos meses e teria a desvantagem já assinalada de acarretar custos fiscais não desprezíveis e crescentes. Ademais desse inconveniente, sob o ponto de vista da administração do endividamento do Tesouro, não seria recomendável reduzir a dívida externa além de um determinado limite, tendo em vista a necessidade de preservação desse mercado no contexto de uma estratégia de longo prazo. Por sua vez, com relação aos controles de capitais na entrada, seria medida inócua. O emprego massivo de instrumentos derivativos para construir posições sintéticas vendidas em câmbio praticamente anula a possibilidade de uma intervenção eficaz por parte das autoridades. Além disso, controles administrativos poderiam implicar retrocesso indesejável num mercado que vem funcionando de forma eficiente e eficaz no Brasil. Não sendo desejável nem factível o emprego de medidas para restringir a oferta de divisas, cabe considerar a adoção de providências cujo objetivo seja o de aumentar a demanda de moeda estrangeira.

Avanços na política de comércio exterior e na reforma da legislação cambial diminuiriam os custos fiscais da manutenção dos objetivos do Tesouro e BC

As nossas normas cambiais, portanto, formam um conjunto de dispositivos que autorizam, sob determinadas condições, que os residentes possam adquirir e manter saldos em moeda estrangeira. Por exemplo, a legislação exige dos exportadores a venda de divisas num determinado prazo após o embarque da mercadoria; aos importadores, as normas autorizam a compra de divisas se contratada a importação, apenas se obedecidos determinados prazos etc. Nesse momento em que há excesso de oferta de dólares, passos adicionais de liberalização cambial podem ser adotados, na medida em que não interessa à autoridade monetária exercer solitariamente o papel de detentor das reservas internacionais, haja vista o elevado custo fiscal dessa política. Se outros agentes econômicos pudessem carregar posições cambiais ativas, haveria uma redução dos ônus do BC e da pressão baixista no câmbio. O ideal seria partir para uma reforma em regra da envelhecida legislação cambial, que é contemporânea da crise de 1929. No entanto, as dificuldades próprias do ano eleitoral praticamente inviabilizam a aprovação de reforma de tal complexidade ainda em 2006. Apesar disso, algumas medidas já poderiam ser adotadas pelo CMN e pelo BC, com base na competência que lhes é atribuída por lei. Entre tais providências, pode-se citar a extensão do prazo para que residentes adquiram divisas para pagamentos de compromissos externos, o aumento do prazo da obrigatoriedade de os exportadores fecharem o câmbio e o aumento do prazo para que os importadores possam fechar o câmbio previamente ao desembarque da mercadoria no Brasil. Mesmo que a eficácia dessas medidas seja reduzida, sob o prisma dos objetivos de curto prazo do BC no mercado cambial, ainda assim valeria a pena caminhar na direção da liberalização cambial, pois se trataria de medidas "antidistorção" e não "pró-distorção", como só acontece quando se introduz medida de controle administrativo. O mesmo tipo de raciocínio vale para a diminuição das barreiras à importação. A liberdade de comércio age em favor do aumento da eficiência, favorecendo o crescimento econômico no longo prazo. A redução das "sobras" de divisas via aumento das importações, no regime de taxas flutuantes de câmbio, acaba de certa maneira também "protegendo" as exportações de uma taxa excessivamente apreciada, além de propiciar reduções nos custos de produção Embora no curto prazo a desoneração das importações tenha o efeito de depreciar a moeda nacional, ceteris paribus, no longo prazo o aumento da produtividade da economia pelo seu maior grau de abertura, aliado à redução do risco soberano associado ao incremento do fluxo de comércio, tende a levar à apreciação do câmbio. Nesse caso, porém, tratar-se-ia de uma mudança de fundamentos, sendo a taxa mais apreciada o reflexo de um ganho efetivo de produtividade da economia brasileira. Pelo acima discutido, verifica-se que a manutenção pelo Tesouro e pelo BC de seus objetivos explicitados a partir do final do ano passado obrigaria à continuidade das intervenções compradoras nos mercados spot e de derivativos de câmbio, implicando custos fiscais adicionais. Porém, esses custos poderiam ser minimizados com avanços nas áreas da política de comércio exterior e na reforma da legislação cambial, uma linha de atuação que, no mínimo, contribuiria para a redução das distorções presentes na economia brasileira.