Título: Lula na parede
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2010, Mundo, p. 20

Presidente desembarca em Teerã sob pressão dos EUA e aliados para que arranque concessões do regime islâmico no impasse nuclear

A decisão do governo brasileiro de se colocar no centro de um dos mais polêmicos impasses internacionais o embate sobre o programa nuclear do Irã acabou por colocar o país também na berlinda. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou na noite de ontem em Teerã na mesma posição incômoda da qual pretendia poupar o colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad: contra a parede. Nos últimos dias, fontes norte-americanas e até o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, apontaram a visita de Lula como a última tentativa de diálogo antes que entre na agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas a imposição de novas sanções ao Irã. Se não conseguir um gesto favorável(1) de Teerã, o presidente terá de decidir se o Brasil vai se unir ao coro, cada vez mais uníssono, em favor das punições. Anters de embarcar, Lula demonstrou surpresa com as proporções que sua visita assumiu. Criou-se uma expectativa exagerada, disse o presidente depois de se reunir em Doha com o emir do Catar, Hamad bin Khalifa Al-Thani. Segundo Lula, o Brasil não pretende colocar o Irã na parede, nem quer que sua viagem seja vista como a última chance. Não queria ser tão fatalista. Vou conversar com muita franqueza com o presidente iraniano, lamentando que os outros presidentes não tenham feito o mesmo, alfinetou. O presidente lembrou que o Brasil não é membro permanente do Conselho de Segurança nem tem armas nucleares, como EUA e Rússia. O país pode contribuir, mas essa não é uma negociação entre o Brasil e o Irã. O assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, que integra a comitiva, assumiu que o governo enfrentou uma pressão pesada de outros países às vésperas do encontro de Lula com Ahmadinejad, marcado para as 9h de hoje (1h30 em Brasília). Em entrevista ao jornal francês Le Figaro, publicada ontem, o assessor já havia rechaçado a ideia de um ultimato, e disse que a viagem tinha como meta tentar obter garantias de que o Irã adotará uma postura similar à do Brasil sobre a questão nuclear. Entre elas estariam a aceitação de inspeções por parte a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e a renúncia à produção e utilização de armas atômicas. Há a expectativa até de que o governo Lula tente obter as garantias por escrito. Para acertar esses detalhes, o chanceler Celso Amorim antecipou sua ida a Teerã e reuniu-se ontem com o colega Manouchehr Mottaki, por cerca de uma hora e meia. Hoje, Lula terá um encontro reservado com Ahmadinejad e, em seguida, com o líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, que dá a palavra final quando o assunto é defesa e política externa. Às 16h (8h30 no Brasil), o brasileiro será recebido pelo presidente do Majlis (Parlamento), Ali Larijani, e fará provavelmente acompanhado de Ahmadinejad o encerramento do fórum de empresários dos dois países.

Alto risco Para o professor de relações internacionais Virgílio Arraes, da Universidade de Brasília (UnB), a situação delicada em que o Brasil se encontra é resultado de uma decisão ousada. Foi uma aposta de alto risco, na qual tanto um resultado positivo quanto um negativo serão significativos , afirma. Segundo Arraes, o governo tinha consciência de que, ao oferecer uma intermediação, estaria se colocando no centro da questão. E o Irã não é uma questão pequena, seja pelo porte econômico, geográfico ou populacional. A diplomacia brasileira tinha consciência de que não era impacto apenas regional, observa. Michael Shifter, presidente Diálogo Interamericano, de Washington, avalia que a autoconfiança extrema de Lula pode ter cegado o governo brasileiro. Lula tem muito orgulho e ambição, mas parece ter subestimado as dificuldades para tornar-se um vencedor nessa questão tão delicada, avalia. Se ele for bem-sucedido no Irã, será aplaudido. No entanto, isso parece improvável, então a questão é o que ele vai fazer e dizer se falhar, questiona Shifter.