Título: Para o Itamaraty, país ajudou a evitar o pior
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2006, Especial, p. A10

O eventual sucesso das eleições no Haiti pode ser o primeiro passo para reduzir o contingente de soldados brasileiros no país. Tudo vai depender do nível de tranqüilidade após as eleições e da existência de diálogo entre o futuro presidente e a oposição. Mas o cenário desenhado como mais provável pelos especialistas do governo brasileiro no assunto é de redução das tensões políticas, com reflexos na queda da violência cotidiana. Isso permitiria começar a pensar na saída gradual das tropas no Haiti. Ao mesmo tempo, a volta a uma relativa estabilidade política deve acelerar os fluxos de ajuda financeira internacional. Estima-se que, de mais de US$ 1 bilhão recolhidos entre doadores estrangeiros com o objetivo de ajudar o país, apenas metade desse valor tenha de fato chegado de alguma forma ao Haiti, por meio de programas assistenciais ou outros projetos. O Brasil prepara a assinatura de oito acordos de cooperação com o futuro governo haitiano. O Itamaraty pretende dizer ao presidente eleito que o Brasil estará à disposição para continuar liderando os esforços internacionais pela estabilização do Haiti. A mensagem, coordenada com as Nações Unidas, será clara: enquanto o futuro presidente achar que as tropas são indispensáveis, elas ficarão por lá. Nos bastidores, porém, a porta de saída da presença militar começa a ficar mais clara para o Exército e para os diplomatas brasileiros. Reduzir o contingente de soldados até o fim do ano, ao mesmo tempo em que se aumenta a cooperação e a ajuda financeira internacional, é o cenário esboçado em Brasília. O governo brasileiro está convencido de que a missão de estabilização da ONU é um sucesso por ter evitado o pior. Transformou um iminente derramamento de sangue em um conflito localizado nas maiores favelas da capital, Porto Príncipe, acreditam diplomatas. Impediu a eclosão de uma guerra civil e conseguiu limitar o problema a algo ainda grave, porém mais restrito: a bandidagem pura e simples, concentrada principalmente no bairro de Cité Soleil, uma favela com cerca de 300 mil moradores. Um experiente funcionário do Itamaraty ressalta que em cidades como Gonaïves, um dos principais focos de tensão na queda de Jean-Bertrand Aristide, predomina a tranqüilidade. "Mas isso tem pouquíssima visibilidade internacional", queixa-se. Para ele, não se pode falar em fracasso numa missão em que menos de nove mil soldados e forças policiais estrangeiras evitaram guerra civil em um país de oito milhões de habitantes. Quem quer que seja o presidente eleito, ele não deverá ter maioria legislativa para governar. Todos os sinais emitidos até agora pelo favorito René Préval são de negociações com seus adversários políticos. Dos 3,5 milhões de eleitores registrados, 3,1 milhões haviam retirado os seus títulos eleitorais até a semana passada. O Itamaraty acredita que o problema no Haiti é menos a violência e mais a falência da economia e das instituições. Isso deverá ser atenuado se o período pós-eleitoral for calmo. Em agosto, quando se encerra o contrato do general José Elito Carvalho com a ONU, chegará a hora de rediscutir a quantidade de tropas. E talvez até de considerar passar o bastão da liderança no país caribenho a outro parceiro.