Título: Segurança ainda é precária, dizem especialistas
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2006, Especial, p. A10
Especialistas americanos e de outros países ouvidos pelo Valor afirmam que a situação da segurança do Haiti ainda é insatisfatória, apesar das declarações dos governos americano e brasileiro, além da Organização das Nações Unidas (ONU), de que a missão internacional está fazendo "um bom trabalho". Os seqüestros continuam e a situação de violência provocou adiamentos seguidos das eleições. O subsecretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Albert Ramdin, diz que a situação de segurança melhorou nas últimas semanas, mas acredita que a comunidade internacional continuará a enfrentar problemas. "A questão do crime no Haiti envolve não apenas a situação social, mas gangues e em parte motivação política contra as eleições", afirmou. Para lidar com a violência, o governo que assumir terá de fortalecer a polícia, hoje com falta de armas e pessoal treinado. A avaliação do Departamento de Estado americano é que a violência não é disseminada no país e se restringe a alguns locais mais perigosos em Porto Príncipe e a situação de segurança é "suficiente" para que as eleições ocorram. Para o consultor Stephen Horblit, que participou do comitê do Congresso americano que avaliou o Haiti e trabalha com o país desde a década de 80, em instituições como a OEA e a Agência Americana para Desenvolvimento Internacional (Usaid), "o problema não se resolve com eleições e dependendo da visão que a população tenha do resultado, o problema pode até ser acirrado". Horblitt acredita que só um processo organizado de reconciliação nacional poderá trazer progresso na reconstrução de instituições democráticas. Essa reconstrução é fundamental para evitar que em cinco ou dez anos seja necessária uma nova intervenção internacional em meio a uma crise. O último presidente haitiano, Jean-Bertrand Aristide, foi recolocado no poder por uma intervenção militar americana em 1994. "Vários países envolvidos sabem que não é possível manter um compromisso apenas de curto prazo, os EUA pretendem continuar como parceiro do país depois das eleições", afirma uma fonte do Departamento de Estado. Provavelmente a permanência da missão de paz da ONU será estendida. Tanto a OEA quanto os países envolvidos na missão da ONU, além dos EUA, insistem na realização das eleições. Mais de 90% do total de 3,5 milhões de haitianos receberam títulos eleitorais de plástico. Logo após as eleições, a comunidade internacional terá de continuar envolvida para garantir que todos os grupos políticos aceitem o resultado. A OEA pretende, depois das eleições, pressionar o governo eleito para que crie canais de negociação com a oposição em assuntos como educação e desenvolvimento econômico e tentar estimular respeito a regras democráticas pelos dois lados. Para o diretor do programa das Américas do Center for Strategic and International Studies (CSIS), Peter DeShazo, o desafio após a eleição é criar "um consenso até agora inexistente" em torno de um governo considerado legítimo. Só depois desse consenso será possível reduzir a violência e tomar medidas para iniciar o desenvolvimento econômico. "Acho que até certo ponto a comunidade internacional pode ajudar, mas não forçar um consenso nacional que no fim das contas é de responsabilidade do povo haitiano", afirma DeShazo. O jornal "The New York Times" publicou uma reportagem na semana passada mostrando a intervenção do Instituto Republicano Internacional (IRI) no Haiti no início da década, que contribuiu para desestabilizar o governo de Aristide. O representante do IRI atuou, segundo o jornal, passando por cima da autoridade da embaixada americana no país, supostamente com aprovação do ex-subsecretário para a América Latina, Roger Noriega. O Departamento de Estado não comenta o assunto. Mas a perspectiva de René Preval ser eleito é vista com tranqüilidade. "Trabalharemos com o governo constitucionalmente eleito, qualquer que seja ele", afirma uma fonte. Uma questão polêmica é a falta de investimentos, especialmente do setor privado, para a criação de emprego e redução de tensões sociais no país. Horblitt acredita que não há um nível de segurança mínimo que garanta confiança de empresários estrangeiros para investir. O governo americano comprometeu-se a colocar cerca de US$ 200 milhões no país, dos quais US$ 30 milhões já foram gastos no processo eleitoral. O valor total de US$ 1 bilhão prometido por uma conferência de doadores no ano passado ainda não se materializou, à espera do estabelecimento de um governo constitucional para seguir em frente com o programa de ajuda econômica.