Título: As mudanças no Supremo
Autor: Adriano Sant'Ana Pedra
Fonte: Valor Econômico, 06/02/2006, Legislação & Tributos, p. E2

"A solução não é uma nova fórmula para a escolha dos ministros, mas sim a aplicação correta do procedimento já existente"

Sempre que surge uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) é a mesma coisa: volta-se a discutir os critérios de escolha de seus ministros e o papel dos poderes Executivo e Legislativo neste processo. A nomeação de um ministro do Supremo é um ato complexo. Cabe ao presidente da República esmerar-se na escolha de um cidadão de notável saber jurídico e de reputação ilibada, cujo nome deve ser posteriormente aprovado pela maioria absoluta do Senado Federal. Um pequeno aceno, nos últimos dias, para a nomeação de alguém possivelmente desprovido de credenciais para ocupar o cargo fez surgir a tradicional solução brasileira: mudar a Constituição Federal. Pelo menos quatro propostas de emendas à Constituição tramitam hoje no Congresso Nacional procurando diminuir o poder do presidente da República na nomeação dos ministros do Supremo. O principal argumento utilizado é o de que, com a escolha dos ministros a cargo do Poder Executivo e do Poder Legislativo, a mais elevada corte do país poderia sofrer interferências em seus julgamentos. Mas, por outro lado, essa integração política na indicação vem justamente a conferir legitimidade ao tribunal. Frise-se que o critério de escolha é político, e jamais politiqueiro.

Pelo menos quatro propostas tramitam no Congresso para diminuir o poder do presidente da República na nomeação

O Supremo, como guardião da Constituição Federal, é um órgão político. Não do ponto de vista partidário, mas sim do ponto de vista político-estrutural do Estado democrático de direito. Imagine o leitor como seria o teor das decisões proferidas por dois juristas, um de direita e outro de esquerda, ambos íntegros, isentos, independentes, com notável saber jurídico e reputação ilibada, acerca de uma questão envolvendo a função social da propriedade, por exemplo. A missão do tribunal constitucional não é apenas interpretar e aplicar o direito comum, mas também antecipar a realização das aspirações da sociedade. Neste contexto, é imprescindível que a imprensa, os representantes políticos e os cidadãos em geral discutam os méritos e deméritos de prováveis ou de eventuais indicados, a fim de cobrarem dos senadores uma sabatina responsável. Isto obriga o presidente da República a tomar o devido cuidado na escolha do ministro, indicando um nome com condições de ser aprovado no Senado, para não amargar uma expressiva derrota política. Não convém alterar a Constituição Federal para mudar as regras de acesso ao Supremo apenas para atender a interesses de ocasião. Afinal, o Supremo é o órgão responsável, em última instância, pela preservação da supremacia da própria Constituição Federal. A solução para o problema não é uma nova fórmula para a escolha dos ministros, mas sim a aplicação correta do procedimento já existente. Simplesmente mudar quem escolhe ou como se escolhe é trocar seis por meia dúzia.