Título: Proposta de faxina constitucional
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2006, Brasil, p. A2
Foi instalada no Congresso Nacional, dia 25, a comissão especial que analisará a proposta de emenda constitucional (PEC) que convoca a Assembléia de Revisão Constitucional para 1º de fevereiro de 2007. A PEC 157, de autoria do deputado Luiz Carlos Santos (PFL-SP), apresentada em 2003, teve parecer favorável do deputado Michel Temer (PMDB-SP) e já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Se for aprovada na comissão especial, cujo presidente é o próprio Temer, e o relator é o deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), dependerá apenas dos plenários da Câmara e do Senado para ser promulgada. Com apenas quatro artigos, a PEC sugere que os deputados e senadores escolhidos nas eleições deste ano sejam também, em 2007, membros de uma Assembléia de Revisão Constitucional unicameral, com duração de 12 meses, podendo ser promulgada, após votação em dois turnos, por maioria absoluta. Temer sugere, em substitutivo, que o projeto de revisão seja, depois, submetido a referendo popular. Fracassou a primeira tentativa de uma ampla revisão, em 1993, cinco anos após a promulgação da Carta, como ela própria previa. Na ocasião, apenas uma mudança importante foi feita, reduzindo o mandato presidencial de cinco para quatro anos, numa arrumação arbitrária que pretendia encurtar o mandato, caso Luiz Inácio Lula da Silva ganhasse as eleições de 1994. Não ganhou, Fernando Henrique Cardoso assumiu com um mandato encurtado e buscou a reeleição. Por mais difícil que seja, politicamente, levar a cabo essa proposta agora para vigorar no dia 1º de fevereiro de 2007, a iniciativa dos deputados tem bom fundamento, ao pretender fazer um "saneamento" constitucional. Da Carta de 1988 até agora, a Constituição passou por inúmeras mudanças, cerca de 50 PECs já foram aprovadas. De cunho analítico e detalhista, como qualifica o autor da emenda, e reflexo de um período em que o país saía de uma ditadura militar de 20 anos, a Constituição brasileira acolheu todas as demandas represadas ao longo desse tempo, abrigando, assim, um universo de assuntos cuja diversidade parece impensável. Exemplo disso foi a aprovação esta semana de uma proposta de emenda (PEC), de autoria do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), que quebra o monopólio estatal da produção de radioisótopo de meia-vida, usado no tratamento de câncer, hoje a cargo do Conselho Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O projeto de emenda nº 199 permite que a iniciativa privada, sob regime de permissão, possa produzir, comercializar e utilizar radioisótopos com meia-vida igual ou inferior a duas horas, e será promulgado em poucos dias. Aliás, esta semana foi pródiga em apreciação de emendas constitucionais. Na quarta feira, a Câmara aprovou em segundo turno a PEC 347/1996, que reduz o recesso parlamentar; e também a PEC 7/2003, que regula os cargos de agentes comunitários de saúde. Criados num limbo jurídico, eles não são estatutários nem celetistas. E cabe à Constituição esclarecer o que são, assunto que claramente deveria ser objeto de legislação ordinária. Aprovou também a substituição do Fundef pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) e, em mais um exemplo das quinquilharias da Constituição, foi votada emenda que muda o nome da Zona Franca de Manaus para Pólo Industrial de Manaus.
Só nesta semana foram votadas cinco emendas
O presidente eleito este ano tomará posse dia 1º de janeiro e terá como uma de suas tarefas primordiais apresentar ao Congresso Nacional, que assume em fevereiro, pelo menos duas propostas de emenda constitucional absolutamente relevantes para a gestão das contas públicas: a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), hoje de 0,38% ; e a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que aparta 20% das receitas totais da União para uso discricionário do governo federal. Ambas têm vigência legal só até 31 de dezembro de 2007. Será o quarto governo a cumprir esse ritual, colocando ambas as medidas na agenda de prioridades do novo presidente tão logo empossado. A lista de mudanças necessárias - além do enxugamento do texto remetendo assuntos inteiros para a legislação inferior, ordinária - é de extrema importância para a economia. A reforma tributária, a reforma do Estado, a desvinculação de receitas, a revisão das despesas públicas, a reforma trabalhista, a continuidade das reformas na Previdência Social, a reforma política, além de reparos necessários aos excessos da área de meio ambiente e Ministério Público. Será difícil para o próximo presidente esticar a vigência da DRU sem abrir a porta da Constituição para que os governadores também possam fazer suas DREs (Desvinculação das Receitas dos Estados). Em conversa recente com parlamentares, o presidente Lula manifestou o desejo de retomar a plataforma da política fiscal de longo prazo durante o processo da campanha eleitoral. Idéia que nasceu no meio do ano passado como âncora para uma redução mais acelerada dos juros, e morreu junto com os constrangimentos políticos que atormentavam o governo. A proposta também implicaria mudanças da Constituição, tais como: prorrogação da DRU até 2016, com aumento gradual dos atuais 20% para 35% da receita total; alteração da emenda 29, da saúde, de forma que, ao invés de garantir a correção das receitas por uma proporção fixa do PIB, elas sejam reajustadas pela inflação acrescida do crescimento populacional; limitação do crescimento real da folha de salários dos três poderes ao crescimento populacional por dez anos; adoção de um teto constitucional para os gastos correntes do governo central, além da prorrogação da CPMF por tempo indeterminado, mas com alíquota decrescente. Há, assim, a despeito da complexidade do assunto e das objeções políticas, uma enorme lista de razões que tornam muito oportuna a convocação de uma assembléia revisora.