Título: A bola está com as potências
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 18/05/2010, Mundo, p. 18

Analistas apontam o texto firmado em Teerã como um primeiro passo para destravar as negociações entre o regime islâmico e o bloco liderado pelos EUA

Difícil negar que o acordo assinado entre Irã, Brasil e Turquia possa avançar na direção de uma solução negociada entre Teerã e as potências ocidentais. Também não há quem conteste que o documento foi uma jogada inteligente dos três países, que demonstraram a possibilidade de resolver o impasse pela via diplomática. Para especialistas, no entanto, resta um longo caminho pela frente, já que a outra parte, encabeçada pelos Estados Unidos, precisa também concordar com as condições e pelo fato de a troca do urânio responder a apenas parte das questões sobre o programa nuclear de Teerã.

Primeiro, vamos comemorar: é um bom resultado e o documento é muito bom. Resta saber se é uma condição suficiente para que os outros Estados Unidos, União Europeia, Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) se deem por satisfeitos, afirma o vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Marcos de Azambuja, que foi o número 2 da diplomacia brasileira no governo Collor. Não é uma coisa que mude completamente o jogo, porque é preciso esperar a reação da AIEA. No entanto, é um passo bem-vindo e é, claramente, uma vitória da diplomacia, opina.

Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Guilherme Camargo, não há nenhuma possibilidade de o outro lado recusar o acordo, se o grupo ocidental for coerente com o que havia proposto anteriormente. A estratégia brasileira e turca foi inteligente. Nós pegamos o acordo que tinha sido costurado pela AIEA e demos continuidade, já que faltava uma definição do local para a troca, explica Camargo. Para ele, esse detalhe não era trivial, já que havia uma ameaça de arresto do urânio entregue pelo Irã. O presidente da Aben lembra que Brasil e Turquia ocupam atualmente cadeiras no Conselho de Segurança das Nações Unidas, e que ninguém contestou a mediação dos dois países.

Os dois especialistas também acreditam que a escolha da Turquia não deva ser questionada, considerando sua proximidade com os dois lados. Não haverá suspeita sobre a Turquia, porque ela faz parte da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), é aliada militar dos Estados Unidos, tem uma cooperação militar-estratégica muito grande com o Ocidente, justifica Azambuja. Foi um acordo simples: pegou-se a Turquia, que não tem pretensões militares, e deu-se um fechamento ao que a própria AIEA não conseguiu, afirma Camargo. Vai funcionar, a menos que se queira logo invadir o Irã, como se fez com o Iraque, ironiza.

Limitado Na opinião de Daryl Kimball, diretor executivo da Arms Control Association, de Washington, o alcance do acordo é limitado. A não ser que o Irã pare de enriquecer urânio, estará apenas adiando um problema, afirmou Kimball à rede BBC. Para ele, Teerã tem de demonstrar mais compromisso com uma solução. O Irã ainda não respondeu às principais questões da agência atômica, frisa. Ainda não sabemos se os iranianos vêm desenvolvendo atividades nucleares fora da área inspecionada pela agência.

Azambuja concorda que o acordo aborda apenas um ponto específico do problema. O documento contempla apenas o que fazer com o urânio enriquecido até 20%. Ele não trata do projeto iraniano de continuar enriquecendo mais urânio para outras atividades, ressalta. O Irã até agora não foi acusado de uma violação clara do TNP, mas o problema é que ele está cercado de países que desconfiam de seu programa, sobretudo Israel e com Israel vêm os Estados Unidos, observa. O especialista iraniano Shahram Chubin, da Fundação Carnegie para a Paz, acredita que o acordo foi bastante inteligente. Será muito difícil avançar agora com as sanções, se não houver algo que não sabemos sobre o acordo, disse Chubin ao jornal americano Christian Science Monitor.

O que foi acertado

O Irã concorda em depositar 1.200kg de urânio levemente enriquecido na Turquia. Enquanto o material estiver lá, continua a ser propriedade iraniana, para evitar que seja desviado. O Irã e a AIEA podem enviar observadores para monitorar a guarda do urânio na Turquia.

O Irã tem sete dias para comunicar à AIEA sua concordância com a declaração assinada. Se o Grupo de Viena (EUA, Rússia, França e AIEA) concordar com a declaração, serão definidos os arranjos apropriados, em um documento, para a devolução desse combustível a Teerã.

O Irã diz estar pronto para depositar seu urânio na Turquia no prazo de um mês, a contar da aceitação dos termos da troca por todas as partes.

O Grupo de Viena terá prazo de um ano, a contar da entrega do material iraniano à Turquia, para enviar ao Irã 120kg do urânio requerido a 20% para uso no reator de pesquisas de Teerã.

Caso as cláusulas da declaração não sejam respeitadas, a Turquia, mediante solicitação iraniana, devolverá o urânio ao Irã rápida e incondicionalmente.

Irã, Brasil e Turquia reafirmam o compromisso com o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que prevê inspeções nas usinas de enriquecimento de urânio dos países signatários. Os três países reafirmam o direito de todos os Estados-partes do TNP, inclusive o Irã, a desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear incluindo o enriquecimento para fins pacíficos, sem discriminação.

França solta iraniano

A iminente libertação do iraniano Ali Vakili Rad, condenado em 1991, pela França, pelo assassinato do ex-premiê iraniano Chapour Bakhtiar, retomou ontem a suspeita de que ocorreram negociações entre Paris e Teerã para que a pesquisadora francesa Clotilde Reiss retornasse a seu país. Bakhtiar foi o último primeiro-ministro do xá Reza Pahlevi. As autoridades da nação comandada pelo presidente Nicolas Sarkozy, no entanto, negam que a libertação de Reiss retida por 10 meses no país islâmico por registrar um protesto do qual havia participado seja uma contrapartida à soltura de dois iranianos presos na França.

O ministro francês do Interior, Brice Hortefeux, afirmou ontem que havia assinado a concessão da expulsão de Vakili Rad. Ele foi condenado a uma pesada pena. A justiça decidiu por sua libertação condicional, após vários anos detidos. A expulsão era apenas uma consequência administrativa, justificou, negando a suspeita de troca de presos. A Justiça da França deve confirmar hoje à tarde a permissão de que o iraniano fique em liberdade condicional, concedida apenas porque o Ministério do Interior ordenou sua expulsão.

Vakili Rad foi condenado à prisão perpétua em 1994 por matar, três anos antes, o último premiê da então monarquia do Irã. Por ter cumprido parte da pena e atendido aos requisitos jurídicos da França, o iraniano pode ser libertado em cerca de um ano e voltar ao Oriente Médio.

Transparência Tanto Paris como Teerã desmentiram haver uma troca de presos entre as duas nações. O porta-voz da oposição socialista francesa, Benoît Hamon, exigiu transparência do governo quanto à libertação de Reiss e de Vakili Rad e Majid Kakavand, engenheiro iraniano preso na França em março de 2009. Acusado pelos Estados Unidos de ter fornecido ao Irã componentes eletrônicos com possíveis aplicações militares, Kakavand voltou a seu país em 7 de maio. Dois dias antes, a Justiça francesa havia se recusado a extraditá-lo, o que aumentou a suspeita em torno de possíveis negociações.

Fontes diplomáticas garantem que a intervenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria sido determinante nesses últimos dias para a volta da pesquisadora Clotilde Reiss à França. No domingo, Sarkozy recebeu-a e, evitando repercutir a polêmica, agradeceu particularmente aos seus colegas brasileiro, sírio e senegalês pelo papel ativo dos três líderes na libertação da francesa.

Deu no... The New York Times

Freio nas sanções O acordo poderia minar as chances de o governo Obama obter apoio internacional para medidas punitivas contra o Irã, diz a reportagem do jornal mais influente dos EUA sobre o novo capítulo no impasse nuclear com o regime islâmico. O texto ressalta a reação cética de Washington e seus aliados ocidentais, que falam em prosseguir com a campanha por sanções, mas sugere que Rússia e China têm um novo argumento para continuar resistindo.

SpiegelOnline

Ponto para Lula A principal revista semanal alemã destaca o sucesso obtido pela diplomacia brasileira e turca, particularmente pelo presidente Lula, que partiu para Teerã cercado de pessimismo sobre as chances de selar um acordo com o colega Mahmud Ahmadinejad. Mas foi o contrário: Lula viajou no fim de semana, o premiê turco se juntou a ele e, depois de 17 horas de reuniões, os dois visitantes obtiveram do anfitrião aquilo que a comunidade internacional cobrava do Irã havia meses: concessões.

The Economist

Tango de Teerã Sob este título, a prestigiada revista inglesa classifica o acordo sobre a troca de urânio iraniano como insuficiente para convencer as potências agrupadas em torno dos EUA, que estariam próximas de obter os votos necessários para aprovar uma nova rodada de sanções no Conselho de Segurança da ONU. Ahmadinejad, segundo a Economist, usa seus aliados para aplicar o velho truque de criar divisões entre os países, e vaticina: Lula e Erdogan não terão muito tempo para saborear.

HAAREST.com

Silêncio em Israel O principal diário israelense noticiou o acordo sobre o urânio iraniano sob a perspectiva do receio do governo de Benjamin Netanyahu de que a fórmula sirva apenas para que Teerã ganhe tempo na corrida contra as sanções. O gabinete do premiê e a chancelaria instruíram todos os funcionários do governo envolvidos na questão nuclear iraniana, bem como os ministros, a não se pronunciarem, informa a reportagem, que anuncia um pronunciamento oficial para os próximos dias.

The Washington Post

Ilusão de progresso Outro dos grandes diários norte-americanos enfatiza, desde o título, o ceticismo dos EUA e seus aliados quanto ao acordo anunciado por Irã, Brasil e Turquia. O Irã parece ter marcado um ponto. Com a obtenção de um acordo para enviar parte de seu urânio para o exterior, (o regime iraniano) cria a ilusão de progresso nas negociações nucleares, sem oferecer realmente nenhum compromisso, diz o texto, assinado pelo analista Glenn Kessler.