Título: A ilusão do PIB
Autor: William Pesek Jr.
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2006, Opinião, p. A11

A Índia não precisa de crescimento mais rápido, e sim de melhor qualidade

Se você quer fazer com que os políticos concentrem-se na questão da pobreza, demita o governo. Aconteceu na Índia em maio de 2004. O slogan eleitoral do então primeiro-ministro Atal Bihari Vajpayee era "Índia brilhante", e ele tinha o forte crescimento e a valorização nas bolsas a seu favor. Os milhões excluídos desse momento mágico reagiram com sua própria palavra de ordem: "Não seremos ignorados". O eleitorado pobre impôs ao governo de Vajpayee uma derrota esmagadora, confiando a tarefa de distribuição dos benefícios de um crescimento de 8% a uma nova liderança. Quase dois anos depois, a pergunta é esta: estará o primeiro-ministro Manmohan Singh conseguindo sucesso? A resposta: nem de longe o suficiente. A economia indiana está em expansão acelerada e poderá até mesmo estar à frente da chinesa daqui a 20 anos. Para que isso aconteça, o governo precisa extrair o máximo do bom momento atual. Isso significa concentrar-se menos no Produto Interno Bruto (PIB) indiano e mais no que poderia ser denominado seu "problema interno bruto". Os políticos na Índia, o segundo mais populoso país do mundo, acreditam que sua função é proporcionar crescimento mais rápido. Na realidade, a Índia necessita de crescimento de melhor qualidade. De que vale uma expansão econômica de 8%, ou mesmo 10%, se não beneficia os elos mais fracos da população? Trata-se de um dilema presente em toda a Ásia. Há uma tendência na região de mascarar dificuldades econômicas com taxas de crescimento globais. De Seul a Jacarta, e de Pequim a Manila, os governos usam esses número gerais como uma forma de propaganda e como uma maneira de desviar a atenção de questões problemáticas. Crescimento rápido atrai a atenção dos investidores e ajuda as economias a esconder as rachaduras sob o tapete. Não é correto medir o progresso por meio do PIB ou da valorização de ações. Um indicador melhor seria a maneira pela qual as vidas das pessoas - dos mais ricos aos mais pobres - são modificadas pelo crescimento. Sucesso efetivo virá de políticas governamentais críveis, de menos corrupção, de um Judiciário mais forte e de melhores programas educacionais e sistema de Seguridade Social. O risco é de que a Ásia continue aprisionada na armadilha típica de países em desenvolvimento, mensurando o progresso social e político apenas com estatísticas. Pobreza não é algo a que os investidores costumem dar muita atenção. Ela não aparece explicitamente na rentabilidade de bônus ou nas cotações das ações. Pobreza não é a primeira coisa em que os operadores de câmbio pensam quando fazem suas apostas. Não é também um problema ao qual os bancos centrais mais poderosos do mundo dão séria consideração. No entanto, os asiáticos não se transformarão nos consumidores do tipo ocidental que os investidores e as companhias desejam antes que os padrões de vida se elevem em todos os níveis de renda. Por exemplo, muita importância é atribuída ao fato de que metade da população da Índia tem menos de 25 anos. "Que benefício resulta dessa grande vantagem demográfica, se o governo não cria empregos bons em quantidade suficiente para os indianos jovens - especialmente os pobres?", questiona Siddharth Mathur, um analista do JPMorgan Chase & Co. em Bombaim.

Há o risco de a Ásia continuar aprisionada na armadilha típica de países em desenvolvimento, mensurando o progresso social e político só com estatísticas

Os governantes indianos têm consciência disso. Singh, afinal de contas, foi um ministro das Finanças que de início a meados da década de 90 deu partida às mudanças econômicas na Índia. E o país está fazendo progressos em termos de redução da pobreza extrema. Em 1999, 40% da população indiana - de 1,1 bilhão de pessoas - ganhavam menos de US$ 1 por dia; hoje, esse contingente está em torno de um terço da população. Neste início de 2006, a implementação continua sendo um grande problema, retardando o processo. Indiscutivelmente, isso não pode ser fácil para um governo que está no poder graças ao apoio de políticos tanto capitalistas como comunistas. Os governantes não podem simplesmente ignorar as cobranças dos dois campos ideológicos. E fazer a transição do passado socialista indiano para sua nova ordem política e econômica é um enorme desafio. No entanto, as vantagens da Índia sobre a China - seu empreendedorismo, demografia e políticas educacionais - pouco significarão se o governo não for capaz de assegurar a satisfação das necessidades básicas. Em outras palavras: infra-estrutura na forma de rodovias decentes e suprimento confiável de eletricidade. O governo de Singh tem por objetivo conseguir um crescimento anual superior a 7% no curso da próxima década para acabar com a pobreza na Índia. Isso é ótimo, mas o verdadeiro problema é facilitar as atividades no setor privado na Índia e dar a um maior número de pessoas as oportunidades de prosperar. A população indiana demonstrou estar pronta para inovar, desde que o governo garanta ferrovias eficientes, água potável e boa irrigação. Êxito nessas áreas significaria maior criação de empregos vinculados à terra e menor dependência em relação às enormes empresas administradas pelo governo e que empregam milhões de indianos. Cerca de 1,7 trilhão de rúpias (US$ 37 bilhões) deverão ser gastos em estradas nos próximos sete anos, 250 bilhões de rúpias numa linha ferroviária exclusiva para o transporte de cargas, e importantes portos marítimos e aeroportos estão sendo modernizados. Mas o processo está esbarrando em entraves burocráticos que retardam a redução da pobreza. Reduzir o endividamento é também uma prioridade. A dívida pública indiana equivale a 90% do PIB - e o endividamento continua crescendo. Isso pressiona para cima o rendimento dos bônus e obriga o governo a desperdiçar dinheiro para honrar o pagamento da dívida, quando deveria estar usando os recursos para melhorias na economia. Desafios similares estão preocupando líderes em países como as Filipinas e a Indonésia. A China, por sua vez, precisa criar centenas de milhões de empregos para reduzir a pobreza e manter sua estabilidade social. O governo chinês vale-se de seu crescimento de 9,9% para mascarar essas fragilidades e neutralizar críticas sobre seu histórico em direitos humanos e meio ambiente. É chegada a hora de virar essa estratégia de cabeça para baixo. A crise asiática em 1997-1998 provou que o PIB é uma espécie de ilusão de ótica. Países que cresciam 8% ou mesmo 12% foram devastados quando o capital internacional desapareceu, em face da desvalorização monetária. As taxas de crescimento do PIB foram um canto das sereias econômico, e os investidores por ele seduzidos amargaram o arrependimento. Com a construção de uma microeconomia melhor, a macroeconomia também florescerá. E com o fortalecimento dos elos mais fracos, haverá melhoria no crescimento e nos padrões de vida. Isso é algo que os líderes asiáticos deveriam considerar, antes de trombetear o próximo lote de estatísticas.