Título: Tribunal do Rio autoriza coexistência de marcas
Autor: Josette Goulart
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2006, Legislação & Tribunal, p. E1

Propriedade Industrial Justiça abre caminho para a entrada da Hermès

A dona da gravata mais famosa do mundo, a francesa Hermès, mantém fechado há alguns anos um dos pontos comerciais paulistanos mais cobiçados pelas grandes grifes - a esquina da rua Oscar Freire com a rua Haddock Lobo. Manter um ponto tão elegante e caro fechado gerava todo o tipo de especulação e assombrava os lojistas da região, mas a realidade é que a francesa não podia comercializar sua marca no país por causa de uma outra Hermes, não tão luxuosa e nem com o charme da crase no nome, mas detentora da marca no Brasil e dona de uma carteira de quase um milhão de clientes que compraram por catálogos, no ano passado, cerca de R$ 350 milhões em peças do vestuário, entre outros objetos. Duas marcas idênticas, querendo atuar no mesmo ramo, parecia um argumento suficiente para definir a questão em favor da brasileira, que já tinha o registro do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) há 64 anos. Mas os advogados da francesa lembraram aos magistrados que os públicos de ambas são tão diferentes - um tão popular e outro tão elitizado - que seria impossível causar qualquer dúvida ao consumidor na hora de fazer suas compras. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) acatou os argumentos e acabou por permitir a coexistência das duas marcas - abrindo assim o mercado brasileiro para a empresa francesa. O argumento, entretanto, não é novo e já foi usado pela Prada italiana em uma situação parecida. O grande problema enfrentado pela luxuosa marca italiana foi com os brasileiros donos dos Chapéus Prada, famosos em São Paulo. Ambos tinham um registro concedido pelo INPI de extensão de marcas para uma classe de vestuário variada. Em 1998, os Chapéus Prada conseguiram uma liminar para apreender todos os produtos Prada comercializados pela Daslu, segundo conta o advogado da causa, Rui Reali Fragoso. A liminar caiu e a loja, junto com os italianos, conseguiu vencer em todas as instâncias da Justiça, até no Superior Tribunal de Justiça (STJ) - que confirmou a decisão da Justiça paulista - de que era impossível confundir os produtos das duas marcas. Era apenas um problema de sobrenome, já que a fábrica dos chapéus Prada foi fundada na cidade de Limeira por imigrantes italianos. Mas, coincidência ou não, os chapéus da Prada italiana nunca foram comercializados no Brasil. Apesar da questão ter sido resolvida na Justiça, a italiana não perdeu tempo e comprou a marca da até então Cia. Prada, fábrica de chapéus e feltros, que mudou seu nome para Pralana. Mas os famosos chapéus ainda são identificados por algumas lojas como Prada. O acordo foi o caminho para encerrar a questão com os italianos e poderia ser o caminho para resolver a questão com as duas Hermes. Mas pode não ser tão simples. O diretor de marketing da Hermes, Gustavo Bach, diz que eles sempre estiveram abertos a um acordo, mas a marca francesa, com crase, não permite que a brasileira, sem crase, ingresse em mercados onde possui o registro da marca, como o Chile e a Argentina. "Por isso brigamos há quase 20 anos", diz Bach. Um dos advogados da Hermès francesa, Antonio Carlos Amorim, diz que a empresa decidiu entrar na Justiça porque havia grandes chances de ganhar, como aconteceu até agora. A francesa obteve sentenças de primeira e segunda instâncias declarando que as duas marcas são distintas e sua coexistência não causaria concorrência desleal. "As empresas são completamente diferentes: uma vende por catálogo, outra por meio de lojas luxuosas, como o ponto mantido pela Hermès em São Paulo", diz Amorim. O advogado societário da francesa, Antônio Alberto Gouvêa Vieira, diz que com a decisão do TJRJ o direito de comercializar a marca aqui está garantido, apesar de haver uma possibilidade de recurso ao STJ. Amorim explica que o tribunal superior não tem competência para analisar provas em processo, como seria o caso. Mas os advogados da Hermes brasileira não se deram por vencidos. Régis Fitchner, do escritório Andrade & Fitchner Advogados, diz que o tribunal não enfrentou todos os argumentos apresentados pela defesa e que isso abre caminho a um recurso para que os desembargadores enfrentem os argumentos. Se indeferirem, segundo ele, a porta está aberta para um recurso nos tribunais superiores. Fitchner diz que a decisão foi inconstitucional pois fez uma expropriação de marca sem nenhuma indenização. Além disso, o advogado diz que a francesa entra em contradição porque, assim que a disputa judicial começou no Brasil, a Hermes foi à França pedir o registro da marca e sofreu fortes oposição. "A decisão vai ser ruim até mesmo para a Hermès porque agora a Hermes também pode fabricar perfumes", diz Fitchner. Os perfumes, até então, eram os únicos produto da marca Hermès vendido no Brasil. Com a decisão do TJRJ, quem antes tinha que dar um pulinho em Paris ou uma volta na Madison Avenue ou ainda fazer uma escala curta em Buenos Aires para comprar os caríssimos produtos Hermès pode ficar na expectativa para fazer suas compras no Brasil.