Título: 'CEGONHAS' QUE NÃO VOAM MAIS
Autor: Ana Cláudia Costa, Antônio W. e Dicier Simoões
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, RIO, p. 13

PF prende 17 integrantes de quadrilha que levava crianças ilegalmente para os EUA

Dezessete integrantes de uma quadrilha que faturou pelo menos US$1,3 milhão nos últimos dois anos, enviando principalmente crianças brasileiras para os pais que vivem ilegalmente nos Estados Unidos, foram presas ontem durante a Operação Cegonha, deflagrada pela Polícia Federal em sete estados. Segundo as investigações da PF do Rio, o bando recebia de US$13 mil a US$15 mil por cada menor. Para conseguir os vistos de entrada no território americano, a quadrilha trocava os nomes das crianças e falsificava certidões de nascimento. O bando passou a ser investigado em outubro do ano passado, mas a PF acredita que os criminosos atuavam desde 2002. Mulheres também usavam o esquema para entrar de forma ilegal nos Estados Unidos, fazendo-se passar por babás das crianças. Segundo o chefe do Núcleo de Operações da Delegacia de Imigração, delegado Felício Laterça, mais de cem pessoas foram para os Estados Unidos dentro desse esquema nos últimos dois anos. Entre elas, de 40 a 50 eram crianças com idades de 3 a 12 anos. O Departamento de Segurança da embaixada dos Estados Unidos está colaborando com a PF, para tentar localizar os menores e saber se todos foram entregues aos verdadeiros pais. Policiais não descartam a hipótese de ter havido adoções ilegais. - Os integrantes da quadrilha não checavam se as pessoas que os procuravam eram mesmo os pais - disse o delegado FábioGalvão, que coordena a investigação. O grupo começou a ser investigado em outubro após uma dessas crianças ser retida no Aeroporto Internacional Tom Jobim. A advogada Valéria Coelho Caldas - presa novamente ontem em Cordeiro, no interior do Rio - acompanhava o menor na ocasião. Com ela foi encontrado um cartão da comerciante Fátima Eliane Taumaturgo de Mesquita, investigada desde 1999 por envolvimento com imigração ilegal para os EUA.

Suspeita estaria foragida nos EUA

De acordo com a PF, Fátima é a chefe da quadrilha. Ela morava em Botafogo, mas foi para Fortaleza em 2004 e ontem foi presa. Felício Laterça pedirá a prisão preventiva dela e de outras pessoas apontadas como cabeças do bando: Maria Júlia Silva de Oliveira, detida em São Paulo, e o sargento da PM Billy Grahan Pimenta de Mendonça, capturado em Barra Mansa. Contra os outros 14 integrantes da quadrilha detidos ontem - quatro no Rio, três em São Paulo, dois no Ceará, dois no Tocantins, dois na Bahia e um no Maranhão - havia mandados de prisão por cinco dias. Eles estão colaborando e, por isso, devem responder ao inquérito em liberdade. Uma mulher continua foragida e estaria nos Estados Unidos. A operação contou com 92 agentes. Em Barra Mansa, no apartamento do sargento Billy, lotado no Batalhão Florestal, foram apreendidos um computador e 12 certidões de nascimento de crianças registradas ilegalmente no nome do policial. A mulher dele, Flávia Pereira Werneck de Freitas, também foi detida. - Duas dessas crianças foram registradas pelo sargento como gêmeas. Esta era uma tática usada pela quadrilha para levar mais de uma criança ao mesmo tempo para os Estados Unidos - disse Fábio Galvão. O sargento confessou sua participação na quadrilha e disse que recebia US$2 mil por criança. Além das certidões, a quadrilha falsificava outros documentos para criar vínculos das crianças com as pessoas chamadas de "cegonhas", encarregadas de levá-las para os EUA. O envolvimento de cartórios está sendo investigado. Um tabelião foi preso em Palmas, no Tocantins. As "cegonhas" eram pessoas que não levantavam suspeitas, como advogados e funcionários públicos, por isso conseguiam visto de turista. Os acusados serão indiciados por formação de quadrilha, falsidade ideológica e tráfico de crianças. As penas podem chegar a 14 anos de prisão. Crianças eram maquiadas para ficarem parecidas com falsos pais e tinham que decorar versão fantasiosa As crianças, segundo policiais federais, eram submetidas a constrangimentos. Elas eram maquiadas para ficar parecidas com os falsos pais com quem viajavam. Além disso, ficavam três dias decorando a história sobre sua falsa família. - Além de falsificar documentos e ganhar dinheiro aproveitando-se da necessidade dos pais, esses criminosos estavam afetando as crianças psicologicamente. As duas crianças que retivemos quando embarcavam com membros da quadrilha estavam assustadas, choravam. Uma dizia que não queria viajar - contou o delegado Felício Laterça. Desde outubro de 2005, a PF monitorava os telefones dos integrantes da quadrilha. Várias ligações feitas para e por Fátima de Mesquita, presa ontem em Fortaleza, foram gravadas e impressionaram os agentes pela frieza com que as crianças eram tratadas. Numa das ligações grampeadas, uma mulher ligou dos EUA tentando falar com a filha que estava em Fortaleza com a irmã: - Oi, minha filha tá aí? - pergunta a mulher para a irmã. - Tá, mas não pode falar com você, não. - Não? - Não. Ela está trancada com a Fátima num quarto decorando o que vai ter que falar. O nome falso e outras informações - diz a tia. Segundo a Polícia Federal, algumas crianças choravam muito durante o confinamento, quando eram treinadas para poder mentir. Pelo menos dez tiveram seus nomes trocados (com certidão de nascimento falsa) num cartório em Tocantins. - Eu quero 14 mil. Quatorze mil dólares - diz Fátima numa das ligações. - Tudo isso? - pergunta uma mulher. - É. Preciso pagar o pessoal dos cartórios.