Título: Decoro Parlamentar
Autor: Miriam Leitão
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, ECONOMIA, p. 22

O deputado Inocêncio Oliveira ligou. Disse que toda a versão que tem sido publicada tem um lado só. "Eu não ia à fazenda. Nunca falei com esse pessoal." Com a expressão "esse pessoal", ele se referia aos trabalhadores sem vínculos trabalhistas que foram encontrados na sua fazenda Caraíbas, no Maranhão, em situação que os fiscais chamaram de trabalho escravo e que hoje o deputado garante que a Justiça diz ser apenas "trabalho degradante".

- Às vezes, domingo, quando eu estava lá, eu até falava com eles. Mas os que trabalhavam para mim eram seis, tinham carteira assinada, tudo direitinho. A fazenda era pequena para os moldes do Maranhão. Tinha 4.000 hectares. É cortada por uma estrada em que passa ônibus, passa tudo. Nunca tratei diretamente com esse povo. Eram trabalhadores eventuais. De vez em quando, um me perguntava alguma coisa e eu dizia: não sei quanto é, não, pergunta lá. O deputado garante que tudo o que tem sido publicado é fruto de uma armação política. Ele é a vítima. - Um jornal de São Paulo escreveu que tinha trabalho escravo na fazenda, mas a viagem (dos fiscais) atrasou e eles só chegaram quatro da tarde. Eles nem tinham chegado lá, mas já estava no jornal que era trabalho escravo. Não tinha arma lá. Tinha só bicicleta que esse pessoal usava. Não tinha trabalho escravo, fui vítima de uma armação política. Aquelas pessoas sentadas; era tudo armação. Ele disse que o procurador Geraldo Brindeiro arquivou sem que ele pedisse e que a ministra Ellen deu por arquivamento porque não era trabalho escravo. - Eu tinha um contrato com a firma terceirizada. Um contrato de 90 dias. Eu tinha mil hectares de preservação ambiental, dois mil hectares mecanizados, e o resto era toco. Eles trabalhavam lá no toco. Eu tinha firma terceirizada, como a Chesf. As exigências hoje são tão grandes que eu vendi a fazenda. Não tenho nada com isso porque a firma era terceirizada. Eles me ligaram, disseram que não tinham dinheiro e eu paguei tudo. Paguei R$200 mil aos trabalhadores. Eram 53. Na região, todos fazem isso. Os seis que trabalhavam para mim tinham tudo legalizado. Eu perguntei se não cabia a ele se certificar que a firma que contratara respeitava os direitos trabalhistas. Quis saber se o deputado ou o gerente tinham perguntado isso à empresa: - É. Meu gerente pode ter falhado - disse, mas insistiu que toda a versão publicada é de um lado só. - Quando eu ia lá. Não ia todo mês, não. Ia de noventa em noventa dias, porque, no inverno, aquilo fica intransitável. Quer dizer, agora tem a estrada. Se você quiser, eu peço ao advogado para fazer uma notinha explicando tudo com termos jurídicos. Eu nunca tive financiamento oficial, nunca precisei. Nós fazemos as leis; temos que respeitá-las. Depois disso, fui fiscalizado em todas as fazendas. Estavam lá em fila, todos com as carteiras assinadas. Se tiver alguma dúvida, me pergunte. Eu só quero justiça. Meu advogado João Agripino Neto vai estar aqui na terça-feira e pode te falar tudo em termos jurídicos. Eu quero é que a economia continue crescendo, para gerar riqueza e criar empregos - disse. - Empregos de boa qualidade, de preferência, deputado - ponderei. Quanto ao que ele disse, devo admitir: concordo com a frase "nós fazemos as leis, temos que respeitá-las". O senador João Ribeiro ligou e disse que também foi injustiçado pela acusação feita em relação aos trabalhadores irregulares em sua fazenda no Pará. - Este processo já foi julgado em Belém. Isso foi uma grande injustiça. Tenho uma fazenda pequena de 160 alqueires e tinha lá um roçado ao lado do povoado de Piçarra. Vou te mandar um ofício para você dar a correção porque eu fui inocentado. - Mas esses trabalhadores do roçado eram seus funcionários? - perguntei. - Eram temporários, mas eu paguei todos os direitos. - Pagou antes ou depois da fiscalização do Ministério do Trabalho? - Paguei depois, foram R$64 mil à época. O erro que cometemos foi aquele: o gerente, o Luis, o mesmo até hoje, contratou temporário. Aliás, ele nunca foi lotado em meu gabinete. Isso que você escreveu está errado. Com referência a eu ser relator da parte de trabalho e não ter aumentado a verba, eu não podia alterar porque não tinha nenhuma emenda. O relator só pode aumentar quando tem emenda. Mas eu não cortei verba e isso foi uma ajuda muito boa que dei a eles. O Luis chamou os trabalhadores. Infelizmente isso foi uma prática do Brasil inteiro, mas eu nunca mais faço isso. Agora só entra na minha fazenda com carteira assinada. A lei é para todos e os políticos são muito visados - disse o senador. Quanto ao senador, devo admitir: concordo com a frase "a lei é para todos". Ontem, os microfones da Câmara, em Brasília, foram ocupados por uma sucessão de deputados de vários partidos manifestando solidariedade ao deputado Inocêncio Oliveira, que todos consideram inocente, apesar das sentenças contra de dois tribunais. Na carta que o senador me enviou, ele diz que o mesmo tribunal que considerou não haver trabalho escravo ou análogo em sua propriedade o condenou a pagar uma multa de R$760 mil, depois ela foi reduzida para R$76 mil, mas ele ainda está recorrendo. Para a OIT, trabalho escravo é trabalho degradante, quando não há condições mínimas de vida, de moradia, não há garantias, não se respeitam leis trabalhistas e a pessoa ainda tem restrição de liberdade, como servidão por dívida, local sem possibilidade de saída. Quanto aos políticos, eles sabem exatamente o que não fazer, tanto que garantem que não farão mais o que fizeram.