Título: Arrecadação de ISS acirra disputas entre municípios e contribuintes
Autor: Marta Watanabe
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Brasil, p. A2

A Diagnósticos da América S/A (Dasa), empresa de medicina diagnóstica, tem seu laboratório central em Alphaville, bairro elegante de Barueri, município a 32 quilômetros da capital paulista. É lá que a empresa faz todos os exames clínicos com sangue e outras amostras coletadas pelos 67 centros de atendimento distribuídos pela cidade de São Paulo sob as marcas Delboni Auriemo e Lavoisier. Como seu laboratório principal e sua sede estão em Barueri, a Dasa recolhe o Imposto Sobre Serviços (ISS) devido à prefeitura local. O fisco municipal de São Paulo, porém, entende que o imposto deve ser pago à prefeitura paulistana, já que as amostras são retiradas na capital e a clientela é captada em São Paulo. Como resultado da discussão, a Dasa tem sido autuada pelo fisco paulistano e tem 212 processos administrativos somente sobre esse assunto. Como o imposto é devido mensalmente, diversos procedimentos administrativos são iniciados a cada mês. Os processos totalizam cerca de R$ 28 milhões. A empresa também se defende em um processo administrativo junto ao município de Santo André originada de autuação contra a Elkis e Furlanetto, laboratório incorporado pela Dasa. A discussão vale R$ 6,5 milhões. A empresa não quis comentar o assunto. Ela não provisiona os valores das cobranças, porque considera remotas as chances de resultados desfavoráveis. O caso da Dasa ilustra um debate que, em vez de se resolver, ganhou mais força a partir da lei complementar nº 116, lei federal editada em 2003 com dois objetivos principais: estabelecer a alíquota mínima do imposto em 2% e reduzir as discussões entre contribuintes e municípios ao atualizar a lista de serviços tributáveis pelo ISS. A lista anterior era de 1968. "A lei não conseguiu mudar nenhum dos itens. Pelo contrário, ampliou as discussões relacionadas ao ISS", diz o advogado Júlio de Oliveira, do escritório Machado Associados. "Aquilo que era pendência residual de ISS tornou-se uma das principais discussões das prestadoras de serviços. Hoje há segmentos que não recolhem o imposto em nenhum local, porque preferem aguardar a definição sobre o assunto. " "As discussões e as dúvidas se multiplicaram", diz o advogado Gilson Rasador, comentando as várias interpretações díspares dos municípios, a disputa pela arrecadação e, como conseqüencia, a maior cobrança sobre os contribuintes. "Um bom exemplo disso é a discussão do ISS cobrado por algumas prefeituras das concessionárias de rodovias", diz Oliveira. A mudança de lei também alimentou iniciativas dos prestadores de serviços contra a cobrança do imposto. A locadora de veículos Localiza defende que a lei federal excluiu o aluguel de bens móveis lista de ISS. E alega a inconstitucionalidade da cobrança do imposto sobre a locação de veículos realizada entre 2001 e 2003. A companhia e sua controlada Total Fleet discutem o assunto, que tem provisão de cerca de R$ 24 milhões. Quando não envolve dois municípios diferentes, a cobrança das prefeituras às vezes compete com a do Fisco estadual. A Net São Paulo, por exemplo, se defende em três cobranças judiciais da Prefeitura de São Paulo, que exige o ISS sobre a taxa de adesão cobrada dos assinantes de TV a cabo. A prefeitura entende que a taxa é uma espécie de serviço de instalação. A Net, diz o diretor jurídico da empresa, André Borges, entende que o serviço de instalação compõe o serviço principal da empresa, hoje considerado serviço de telecomunicação, tributado pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A companhia de TV a cabo tem provisão de cerca de R$ 3 milhões para a discussão. Os tributaristas lembram que mesmo a tentativa da lei de 2003 de estabelecer alíquota mínima de 2% não teve sucesso. Muitos municípios adotam formalmente a alíquota de 2%, mas reduzem a base de cálculo, o que faz a tributação efetiva cair a 0,5%. "A guerra fiscal entre municípios hoje está muito mais acirrada do que a dos Estados e essa não é uma questão que deverá ser resolvida por previsão legal", afirma Oliveira.