Título: Brasil vê oportunidade de negócios na Argélia
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Brasil, p. A3

Relações externas País do norte da África pretende investir US$ 60 bilhões em infra-estrutura até 2009

O caminho entre o aeroporto internacional e o centro de Argel foi decorado com fotos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Abdelaziz Bouteflika, além de bandeiras do Brasil e da Argélia. Mas o que desperta de imediato a atenção são as milhares de antenas parabólicas espetadas nos prédios de apartamento. A Argélia, primeira escala da viagem de cinco dias do presidente Lula à África, é um país que tenta se abrir para o mundo e no qual o governo Lula antevê uma janela de oportunidades para bons negócios. Até 2009, são previstos investimentos em infra-estrutura no valor de US$ 60 bilhões, US$ 7 bilhões dos quais apenas na construção da Rodovia Transmagrebiana, 1.200 quilômetros entre a Tunísia e o Marrocos, cuja obra está em fase de licitação. "Temos excelente diálogo político diplomático, somos parceiros em iniciativas importantes como a ação contra a fome e a pobreza", disse o presidente Lula em entrevista aos principais jornais argelinos, publicada ontem. "Mas nosso comércio, por mais expressivo que seja - US$ 3,2 bilhões em 2005 - é desequilibrado e nossos empresários e equipes técnicas de governo ainda se conhecem mal. Os negócios são pontuais." De fato, só agora empresas brasileiras começam a explorar as oportunidades da Argélia, um país que Lula classificou de "tridimensional" por estar situado na África, ser árabe e ao mesmo tempo mediterrâneo. A construtora Andrade Gutierrez, por exemplo, começou com a construção de uma pequena barragem, obra de US$ 31 milhões, mas hoje participa da licitação de dois trechos da Transmagrebiana. Está otimista. Segundo o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, o presidente Bouteflika assegurou, numa viagem precursora, no ano passado, que nem só custo e preço definirão a concorrência, mas também a capacidade do país parceiro em dar continuidade aos projetos, independentemente de eventuais governos. Outra construtora brasileira, a Norberto Odebrecht, faz prospecção sobre o potencial dos negócios de longo prazo na Argélia. O governo local pensa em reativar sua indústria automobilística, o que leva as duas empresas fabricantes de carrocerias já instaladas no país a sonhar com passos mais largos no Norte da África. As duas gigantes petrolíferas, a Petrobras e sua equivalente Sonatrach, iniciaram entendimentos para desenvolver parcerias na Argélia, no Brasil ou "em terceiros mercados", como afirmou o presidente Lula. Ontem, Brasil e Argélia deram os primeiros passos para a concretização de negócios como esses. Lula e Bouteflika assinaram dois acordos e dois protocolos de intenção. O mais importante deles é o acordo comercial entre Brasil e Argélia que prevê medidas "para facilitar, reforçar e diversificar as trocas comerciais entre os dois países". Uma de suas cláusulas estabelece o tratamento de nação mais favorecida ao Brasil, nos negócios com a Argélia. Isso significa que o governo argelino pode dar incentivos tarifários para a compra de produtos brasileiros. As regras da Organização Organização Mundial de Comércio (OMC) estabelecem restrições aos países-membros na concessão desse tipo de incentivo, a menos, entre outras coisas, que se dêem em áreas de livre comércio. Mas a Argélia não integra a organização. Em contrapartida, Bouteflika pediu a Lula o apoio do Brasil para a Argélia ser aceita como membro da OMC. O Brasil também tem interesse do apoio da Argélia no projeto de reformulação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), compromisso que Bouteflika tem dificuldades de assumir - Egito e África do Sul são os países do continente africano com mais possibilidades de ter um assento no Conselho Permanente, caso a reforma seja efetivamente executada. O outro acordo é sobre transporte e navegação marítima, "excluindo-se o transporte de petróleo e dos seus derivados e das cargas que, de acordo com a legislação interna de cada parte contratante, esteja reservado a sua respectiva bandeira, assim como o transporte de cabotagem e por vias aquaviárias interiores". Um dos protocolos é de cooperação técnica na área de agricultura, enquanto o outro trata de "consulta mútua em matéria de segurança sanitária e fitossanitária de produtos de origem animal e vegetal". Aos jornais argelinos, Lula discorreu sobre o atual momento da América do Sul. Segundo o presidente, "houve um grande amadurecimento das esquerdas, que chegam ao poder pelo voto, reforçando a democracia". Lula foi especialmente cáustico em relação à experiência liberal na América do Sul e deu uma alfinetada no governo de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso: "A experiência dos governos de esquerda, na esteira da frustração do desastre neoliberal dos anos 90, representa o reconhecimento de que não haverá crescimento sustentado se as demandas econômicas e sociais de setores tradicionalmente marginalizados não forem atendidas."