Título: "FHC precisa controlar a inveja e o rancor", diz ministro
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Política, p. A13

Cotado para compor a chapa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à reeleição, o ministro Ciro Gomes (Integração Nacional) foi evasivo, ontem, ao comentar a possibilidade de deixar o governo no final de março, a fim de se habilitar legalmente para disputar um mandato. "O presidente é que sabe", disse ao desembarcar em Argel, primeira escala de uma viagem de cinco dias de Lula à África. "Pelo meu gosto fico quieto e saio da política por algum tempo", acrescentou, dando a senha sobre as articulações a que se dedicou com o presidente durante boa parte das 9h50 de viagem entre Brasília e Argel. Sete ministros acompanham Lula. Ciro é o único sem uma função claramente definida na comitiva. E foi o que mais conversou sobre política com Lula no vôo. Ao desembarcar, transformou-se na sensação da viagem ao atacar duramente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que, na semana passada, dissera que a ética do PT é roubar. "Ele (FHC) precisa parar para pensar. Por duas razões: primeiro, os padrões éticos do seu governo não resistem a uma comparação com nenhum governo da história, se o critério for o grau de lesão aos cofres públicos em cada circunstância", disse Ciro, ainda na pista do aeroporto. Enquanto a banda tocava os hinos dos dois países, Ciro completou: "Segundo, não está disponível a pessoas violentar tradições republicanas e federativas. Precisa (FHC) controlar a inveja e o rancor. Precisa guardar a elegância e o recato com que tradicionalmente se comportaram 100% dos presidentes (ao deixar o cargo) da história". Como exemplo, citou Fernando Collor de Mello, o presidente (1990-1992) que renunciou ao cargo para não sofrer o impeachment pelo Congresso. Logo após a recepção no aeroporto, Lula e os ministros foram para a residência do governo argelino para visitantes. À tarde, Ciro voltou à carga contra. Àquela altura, já dispunha de informações sobre a repercussão de suas declarações no Brasil. "Para uma pessoa que teve o privilégio de governar o país, impõe-se uma distância do dia a dia, do mundanismo e da vulgaridade", disse. "Por isso eu só posso entender que, para um homem elegante como o senhor Fernando Henrique descer ao nível que está descendo, só maus conselheiros como a inveja e o rancor podem explicar isso". Inveja e rancor, segundo Ciro Gomes, "porque do ponto de vista eleitoral ele nos ajuda bastante. Mais duas dessas, se o presidente Lula resolver sair candidato, as coisas ficam bem resolvidas", ironizou. "O povo brasileiro está percebendo, com esses gestos deselegantes, que o que se trata hoje no Brasil é disso - toda essa barulheira é só isso: ou a gente avança de onde nós estamos ou a gente volta a entregar o poder a essa turma do senhor Fernando Henrique Cardoso". Para Ciro, na comparação, Lula levará vantagem na campanha eleitoral de outubro. Além dos discursos caracterizadamente de campanha feitos pelo presidente nas últimas semanas, as declarações de Ciro são a mais clara manifestação eleitoral de um ministro que se tornou peça importante na articulação política do governo Lula. Como se não bastassem os ataques a FHC, mais tarde, enquanto Lula e os demais ministros participavam de uma reunião, o ministro da Integração Nacional apareceu para tomar um cafezinho com os jornalistas que aguardavam numa sala próxima do palácio presidencial. Foi uma longa sessão sobre a história de Ciro, desde a derrubada de Fernando Collor até a escolha de FHC como candidato do PSDB à presidência da República, na sucessão do ex-presidente Itamar Franco (1992-1994). Ciro revelou as hesitações de Fernando Henrique, tanto quando ele se sentiu tentado a ser chanceler do governo Collor, como em aceitar o convite de Itamar para ocupar o Ministério da Fazenda. Ciro Gomes também minimizou o papel do ex-presidente na formulação do Plano Real. Segundo Ciro, o PSDB, por meio dele e do atual senador Tasso Jereissati (CE) arregimentaram a equipe, sendo que Edmar Bacha teria sido o último a concordar. Os economistas avaliavam que não havia condições políticas nem econômicas e profetizavam, todos, que o plano seria um fracasso e haveria hiperinflação. FHC só bateu o martelo, depois que o PSDB prometeu sustentação política, numa reunião em que ele, Ciro, Tasso, o atual prefeito de São Paulo, José Serra e o ex-governador Mário Covas disseram que concordavam com o plano. Ciro disse que seus amigos no PSDB e no PFL estão "incomodados com a maluquice" de FHC. "Ele usurpa o espaço de eventuais candidatos, desqualifica o debate e puxa para o lado que nos interessa". Segundo Ciro, não há número, na comparação dos três anos de Lula com os oito de FHC, em que o presidente não tenha " grande vantagem".