Título: A nova regulamentação do mercado atacadista elétrico
Autor: Adilson de Oliveira e Luciano Losekann
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Opinião, p. A16

Cenário para a retomada do investimento na geração é de dificuldades

Depois de longamente idealizada, a nova regulamentação do mercado atacadista elétrico foi colocada à prova. As promessas foram as de sempre: remoção do risco do racionamento, retomada do investimento na geração e modicidade tarifária. Para alcançar esses objetivos, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) fez o planejamento da expansão e o Ministério de Minas e Energia (MME) formulou a estratégia do leilão de energia no formato comprador único. Publicados os resultados, cumpre verificar se as promessas serão cumpridas. Comecemos pelo risco de racionamento, fantasma que nos acompanha desde que a reforma do mercado elétrico foi deslanchada. Simulações realizadas no Instituto de Economia da UFRJ, com o auxílio do modelo SIMSPOT, sugerem que esse risco é irrelevante até a primeira metade de 2008. Porém, cresce a partir de então com o ritmo de crescimento da economia. No Sudeste/Centro-Oeste e no Nordeste, o risco ultrapassa 5% no final de 2009 para taxa de crescimento superior a 3% (ver gráficos). Na região Sudeste/Centro-Oeste, o risco de déficit ultrapassará 5% já no final de 2008, caso o crescimento situe-se em 5% nos próximos anos. Em outras palavras, para que o fantasma do racionamento permaneça afastado do nosso quotidiano, o Brasil terá que aceitar crescimento medíocre até o final da década. Para evitar esse cenário homeopático, um novo leilão terá que ser realizado ainda no início deste ano, desta vez orientado para projetos com prazo de maturação bastante curto. A desejada retomada dos investimentos na geração ainda está por vir. Os novos projetos resultantes do leilão somam 1458,7 MW de capacidade, montante muito aquém do incremento anual (3500 MW) necessário para alimentar, com segurança, o consumo provocado por taxas de crescimento de 4% a 5% da economia. A maior parte dos novos projetos (70%) vem de iniciativa das estatais, em projetos hidrelétricos. Os investidores privados preferiram atuar na margem do sistema de geração, explorando as oportunidades abertas pela EPE para compensar a ausência no leilão de centrais alimentadas com gás natural. As usinas de cana-de-açúcar e as centrais a diesel ficaram com quase 22% da nova capacidade de geração e a região Sul reativou sua produção de carvão mineral. Será indispensável atrair investimento privado para projetos hidrelétricos e principalmente para térmicas alimentadas com gás natural.

Para que o fantasma do racionamento fique longe, país terá que aceitar um crescimento medíocre até o final da década

A capacidade de investir das empresas estatais foi limitada pela venda de sua energia velha (sic) a preços muito abaixo do seu custo de oportunidade. Esgotadas as oportunidades de atuação na margem do sistema, os investidores privados terão que ser atraídos para a construção de centrais hidrelétricas ou alimentadas com gás natural. A barreira ambiental tem se provado formidável no caso das primeiras, e as regras do mercado atacadista são francamente avessas às segundas. O cenário para a expansão é, portanto, de dificuldades. Resta a modicidade tarifária. O MME limitou a oferta do MWh hidrelétrico em R$ 116,00. Porém, as centrais termelétricas fizeram oferta apenas para o custo da capacidade de geração, repassando para os consumidores o risco econômico do seu despacho. Nos períodos de hidrologia favorável como o atual, as tarifas permanecerão em patamar módico, pois não serão consumidos combustíveis. Contudo, nos períodos pluviométricos desfavoráveis, a conta de consumo de combustíveis chegará salgada ao bolso dos consumidores. Utilizando o modelo SIMSPOT, estimamos essa conta. Os resultados sugerem que as centrais a diesel serão pouco despachadas até o primeiro semestre de 2008. A partir de então, o despacho dessas centrais será crescente e tanto mais intenso quanto maior for o crescimento econômico nos próximos anos. A tabela apresenta nossa estimativa para o preço médio mais provável da energia suprida pelas concessionárias e o mesmo preço na situação (crítica) em que o despacho do parque gerador a diesel seja necessário. Nessa situação, a parcela energia da tarifa para as distribuidoras passará do patamar médio atual de R$ 91/MWh para R$ 97 em 2008, podendo chegar a R$ 105 em 2010. Os gastos adicionais dos consumidores podem chegar a R$ 1,3 bilhão em 2008 e R$ 4,1 bilhões em 2010. Para os britânicos, a qualidade da receita do pudim se verifica no momento de sua degustação. A julgar pelo resultado do leilão de energia nova, a receita do novo mercado atacadista ainda não está no ponto.