Título: Socialismo ou divisão global?
Autor: George A. Papandreou
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Opinião, p. A17

Mesmo possuindo os recursos, mundo não toma providências para erradicar a pobreza

Pela primeira vez na história detemos o conhecimento, a tecnologia e a riqueza necessários para projetar um mundo diferente. Dispomos dos recursos para "remeter a pobreza à história". Embora tenhamos o poder de mudar o mundo, porém, não estamos tomando as providências necessárias para tanto. Em 2000, governos de todo o mundo adotaram as Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, que têm como objetivo reduzir a pobreza global à metade até 2015. A comunidade internacional, no entanto, não tem demonstrado a determinação política necessária para atender essas responsabilidades básicas perante a humanidade, levando as pessoas a perder a fé na política. A menos que tomemos a iniciativa, nossos cidadãos perderão a esperança no poder da democracia - ou encontrarão esperança no extremismo, no fundamentalismo e na violência. Para podermos restaurar a confiança das pessoas não só na política, mas também em seu próprio potencial, nossas políticas precisam garantir uma governança responsável e instituições que funcionem com e para cidadãos responsáveis. Na condição de maior organização política do mundo, a Internacional Socialista pode unir os cidadãos do mundo em torno de uma nova agenda global visando atingir esses objetivos. Nosso primeiro desafio é democratizar a globalização. Precisamos reconfigurar a globalização de alto a baixo, incluindo os dois terços da raça humana que estão atualmente excluídos do processo, em termos que reflitam os princípios socialistas da inclusão, da diversidade cultural e do desenvolvimento sustentável. Como podem os cidadãos ter direito a uma voz democrática no desenvolvimento econômico mundial quando o FMI e o Bird atuam com base no princípio de "um dólar, um voto"? Não é possível haver nenhuma democracia real quando temos uma maciça concentração de capital e de poder nas mãos de alguns poucos; quando corporações multinacionais desafiam o poder de representantes eleitos democraticamente; quando criminosos organizados podem subornar policiais, juízes e políticos; quando a monopolização da mídia corrói as liberdades básicas. A democratização da globalização consumirá tempo. Podemos acelerar o processo, porém, fortalecendo a cooperação e a integração regionais. Isso demanda novos canais de cooperação com forças progressistas em outras partes do mundo - na China, nos Estados Unidos, Índia e no mundo árabe. Para lidar com problemas globais, precisamos fortalecer e democratizar instituições internacionais como as Nações Unidas. Mas também precisamos mirar para além da reforma do Conselho de Segurança e começar a criar uma arquitetura democrática global que coloque a globalização a serviço dos cidadãos, não dos mercados.

Não haverá democracia real enquanto tivermos uma maciça concentração de capital e de poder nas mãos de alguns poucos

Hoje, a prioridade máxima para os socialistas é restabelecer um equilíbrio entre produtividade e justiça social. Embora tenhamos alguns precedentes bem-sucedidos, como o modelo nórdico, os países têm dificuldades em alcançar esse equilíbrio. Num momento em que os mercados capitalistas dão lugar a vastas redes comerciais, e num momento em que economias de mercado tornam-se sociedades de mercado, governos e sindicatos de trabalhadores vão ficando cada vez mais restritos em seu raio de ação. Isso drenou poderes e dividiu os nossos cidadãos. Cidadãos de países desenvolvidos sentem-se com freqüência crescente meros objetos de consumo, enquanto cidadãos de países em desenvolvimento lutam pela sobrevivência diária. Nos dois casos, mas de formas distintas, as pessoas sentem-se empobrecidas. Certamente, temos sociedades diferentes, mas também enfrentamos novas formas de desigualdade. A falta de padrões trabalhistas em uma parte do mundo mina o bem-estar social dos trabalhadores em outras partes do mundo. A migração em massa dos países pobres gerou medo e xenofobia nos países mais ricos, especialmente dentro da classe trabalhadora. De forma semelhante, o comércio livre fez agricultores e trabalhadores no setor de serviços no mundo desenvolvido e no mundo em desenvolvimento se voltarem uns contra os outros. Preocupações com o meio ambiente transformaram-se num jogo de troca de acusações. O mundo desenvolvido teme o esgotamento dos recursos vitais pelo mundo em desenvolvimento, que por sua vez culpa o mundo desenvolvido por destruir o meio ambiente na busca pelo lucro. Para conciliar essas divisões, precisamos repensar a natureza do emprego em uma economia global cada vez mais automatizada, móvel e sem fronteiras. Assim como o capital é globalizado, os padrões trabalhistas básicos devem ser igualmente globais. Trabalhos forçados, trabalho infantil e discriminação no local de trabalho precisam ser eliminados. Também precisamos tornar as nossas próprias políticas mais democráticas. Precisamos combater a exclusão dos nossos partidos políticos, assim como combatemos a exclusão nas nossas sociedades. Isso significa saudar os migrantes e as minorias, gerando mais oportunidades para mulheres e deficientes e conferindo poder aos cidadãos por meio da educação e da participação. Conferir poder aos cidadãos significa conceder-lhes o poder para decidir e também o conhecimento para decidir bem. No Pasok, o grande partido socialista grego que lidero, estamos realizando reformas de longo alcance nesta direção. Da mesma forma, o objetivo da Internacional Socialista não é um mundo governado por mercados livres, mas por pessoas livres.