Título: No Brasil, discussão ainda é incipiente
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Empresas &, p. B3

A Cisco Systems pinçou, em dezembro, 30 dos cérebros mais brilhantes da companhia, e os reuniu em Nova York para um exercício sobre como a indústria de telecomunicações estará em 2015. O tema dominante foi a chamada neutralidade da rede, que nos Estados Unidos trata da conflituosa remuneração dos provedores de internet às operadoras de telecomunicações. O consenso foi de que o peso da internet - o conteúdo que trafega pela rede - cresce de tal forma que essa relação será responsável por uma ampla mudança no modelo de negócios das empresas de telecomunicações. "As interpretações são de que a banda larga acaba se tornando um cavalo de Tróia para as operadoras de telefonia", diz Pedro Ripper, diretor de serviços para América Latina da Cisco. Ele explica que nos EUA, onde a internet promove alguns bilhões de dólares em vendas e negócios, as empresas que montam e oferecem a infra-estrutura de comunicação - as teles, em grande parte - são remuneradas apenas pela oferta da rede. Essa discussão ainda não chegou com força ao Brasil, mas isso certamente isso vai ocorrer. Por enquanto, as operadoras que atuam no país estão muito mais preocupadas com outros temas. É o caso das novas exigências dos contratos de concessão, com vigência para os próximos 20 anos, e da discórdia quanto à remuneração do uso da rede nas ligações de telefones fixos para celulares. Hoje, as operadoras móveis recebem repasse das fixas com percentuais que estão entre os mais altos do mundo. "No Brasil, a questão da neutralidade do uso das redes ainda não entrou na pauta de discussões", diz Luis Minoru Shibata, diretor para a América Latina do Yankee Group, consultoria especializada em telecomunicações. Segundo Minoru, atualmente as redes das teles no Brasil têm cerca de 20% de ociosidade em serviços de voz. Na estrutura de banda larga o aproveitamento é maior, mas a capilaridade não é grande. Para o analista, as operadoras do país ainda estão preocupadas em vender conectividade, não em levantar questões que possam travar os negócios. Outras tipos de empresas interessadas no assunto, como as companhias de internet e de cabo, também não acreditam que o assunto ganhará relevância em curto prazo. "A legislação no país é muito democrática em relação ao acesso à internet", diz Francisco Valim, presidente da Net, que oferece serviços de TV a cabo e de internet em banda larga. A posição é semelhante à expressa por Gil Torquato, diretor de relações institucionais e de telecomunicações do Universo Online (UOL), provedor de serviços de internet. "É improvável que isso ocorra no Brasil", diz o executivo. Para Torquato, seria o mesmo que uma transportadora de jornais ou revistas decidisse cobrar uma participação sobre o lucro obtido com as publicações. "Além disso, só se fala nesse assunto quando os negócios vão bem. E quando o mercado vai mal?", pergunta. Minoru, do Yankee Group, destaca que a maior pressão sobre as teles no país pode vir da TV digital, cujo padrão está sendo escolhido pelo governo. "A TV vai se tornar um veículo de duas mãos que roda sobre a internet. Com isso, nada impede que a infra-estrutura das operadoras de TV seja usada para fornecer serviços de voz sobre IP." O tema também ainda não chegou à Europa, que hoje está mais preocupada com o 'unbundling', o uso de infra-estrutura de uma operadora por outro prestador de serviço. Mas não é por acaso que as teles estão de olho nas oportunidades que a tecnologia está oferecendo para que elas mesmas venham a oferecer serviços como música ou vídeo sob demanda, por exemplo. É a chance de faturar mais. A discussão em torno do uso da banda larga nos EUA vai de um cenário moderado até um extremo, que Ripper, da Cisco, caracteriza de preto, branco e cinza. O preto seria as teles buscarem mecanismos para bloquear o serviço de terceiros. O branco seria abrir a rede para todos. Já no cinza, as teles não bloqueariam, mas lançariam seus próprios serviços como voz sobre internet (VoIP) e transporte de música e vídeo.