Título: De célula em célula, fazendo uma revolução
Autor: Arthur Barrionuevo
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Finanças, p. D6

Telecomunicações

O serviço móvel celular tornou-se uma indústria que revolucionou as telecomunicações em todo o mundo. Não por acaso, o setor é protagonista do novo livro de Harald Gruber, "The Economics of Mobile Telecommunications". No Brasil, o segmento de telefonia móvel cresceu, entre 1998 e 2005, à taxa geométrica de 42% ao ano, de uma base de 7,4 milhões de acessos para 86,2 milhões. Tal dinamismo se alicerça em três forças. Pelo lado da tecnologia, o serviço móvel se beneficia da velocidade crescente dos processadores, o que reduz rapidamente os custos do setor. Do ponto de vista econômico, a competição, substituindo monopólios estatais, estimula a expansão da base de clientes. Em termos institucionais, a intervenção governamental mudou da atuação direta e do controle burocrático para a regulação setorial, que define as regras do setor, protegendo a livre competição e os consumidores. O livro trata de temas essenciais. Caracteriza a evolução tecnológica da telefonia móvel, trata da expansão da indústria, revê a evolução dos mercados nos países desenvolvidos e analisa os fatores determinantes da difusão do serviço celular. Quanto à competição, começa com a análise do comportamento das operadoras, estratégias e precificação, passa pela alocação do limitado espectro de rádio e conclui com a estrutura de mercado. O uso pioneiro da telefonia móvel ocorreu nos EUA e na Grã-Bretanha, nos anos 1920. Mas a idéia da telefonia móvel celular foi desenvolvida nos laboratórios da AT&T em 1946, que depois a abandonaria. Só nos anos 1970 surgiu um conceito de celular factível economicamente. A tecnologia iria desenvolver-se em gerações sucessivas. A primeira foi a analógica. Seguiu-se a digital (2G), com capacidade de transmitir voz e outros conteúdos a uma velocidade a partir de 9,6 kilobits por segundo (kbps). A terceira geração (3G), também é digital, mas com capacidade de transmitir pelo menos 384 kbps. Na Europa e no Japão, a indústria do serviço móvel celular apresenta duas feições-chave, com situações opostas na fase analógica e na digital: 1) fase analógica (anos 1980) caracterizada pela convivência de vários padrões tecnológicos nacionais incompatíveis, desperdiçando economias de escala e de rede, e fase digital com padrão comum europeu (GSM em 1992); 2) fase analógica com predominância de empresa estatal monopolista já estabelecida ou duopólio, e fase digital caracterizada pela concessão de licenças a novos entrantes. Nos EUA, a situação foi distinta. Começou-se com a utilização de uma tecnologia analógica comum, com pelo menos dois competidores por região metropolitana, o que favoreceu o crescimento do serviço. Mas o fato de não ter havido definição de padrão tecnológico digital prejudicou a migração para a telefonia celular 2G, que permite, pelo seu menor custo, uma expansão mais expressiva. Ainda chamam a atenção, como características da penetração da indústria celular, os seguintes fatores: a) o crescimento em forma de "S", com baixa taxa de crescimento no início e explosão a partir de uma dada penetração, com taxas de expansão altas e crescentes, até a saturação; b) a influência das características do país, de forma que, nos de alta renda, a penetração do móvel resulta da complementaridade entre serviço fixo e móvel e nos em desenvolvimento, como substituto; c) os efeitos positivos da entrada de novos operadores, especialmente na fase da tecnologia digital, e quando a entrada ocorre de forma seqüencial, ao invés de simultânea. No que se refere à competição no setor, o livro avalia a evolução dos preços do serviço e seu impacto no bem-estar econômico. É uma análise com resultados ambíguos, pois a competição ocorre entre operadoras e entre plataformas tecnológicas. Em linhas gerais, observam-se duas tendências: 1) na fase analógica, de baixa capacidade disponível, assinaturas altas e valor de uso da rede baixo, o que se inverte na fase digital, em particular com a introdução do pré-pago (pela Portugal Telecom, em 1995, e TIM em 1996); 2) o uso do poder de mercado das operadoras na fixação da tarifa de interconexão fixo-móvel, que tem impacto positivo sobre o bem-estar, ao proporcionar o financiamento da penetração do serviço móvel. No que se refere à estrutura de mercado, o autor analisa o papel central das licenças para uso de espectro e do método de sua alocação, com os leilões transferindo rendas da indústria (que é um oligopólio natural) para o Estado. Mas indaga se o sobrepreço que as empresas pagam não favorece a concentração de mercado e o atraso na introdução de novas tecnologias. Estudo realizado para o caso brasileiro pela FGV (C. Furtado e A. Barrionuevo, "A Indústria de Telefonia Móvel no Brasil e o seu Papel na Universalização das Telecomunicações"; FGV, 2003) che gou a resultados muito semelhantes. Em particular, constatou-se o crescimento em "S", acelerado pela introdução do pré-pago e pela entrada seqüencial de novos operadores, em 2001, nas bandas D e E, que contou com financiamento da tarifa de interconexão. Isso fez com que o Brasil alcançasse uma penetração de 47 celulares por 100 habitantes, malgrado a baixa renda da população, com uma das cinco maiores bases de assinantes no mundo.