Título: Sancionada nova lei que proíbe recursos
Autor: Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2006, Legislação & Tributos, p. E1

Judiciário A chamada "súmula impeditiva" impossibilita às parte apelações que contrariem os tribunais superiores

Uma espécie de versão moderada da súmula vinculante - a "súmula impeditiva de recursos" - poderá favorecer os contribuintes e a população em geral nas disputas contra o maior recorrente do país: o poder público. Sancionada ontem pelo presidente como Lei nº 11.276/06, a nova regra, que entra em vigor em 90 dias, impede que o juiz de primeira instância aceite apelações que contrariem súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). Para advogados, a regra poderá alterar o rumo de disputas tributárias em curso, como a Cofins de prestadores de serviço, e outros temas pacificados nos tribunais superiores deverão ser alvo de pressões para serem transformados em súmulas. Na área tributária, a perspectiva é que sejam evitados recursos protelatórios do fisco em disputas consideradas pacificadas. Segundo o advogado Luiz Gustavo Bichara, o artigo 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) determina a compensação de tributos apenas após o trânsito em julgado dos processos, o que motiva medidas para postergar os processos. Um exemplo de disputa em temas pacificados, diz o advogado, é o das ações para a compensação de pró-labore de autônomos e administradores, previsto na Lei nº 8.212/91. O tema já foi julgado na ação direta de inconstitucionalidade (Adin) nº 1.102, em 1995, e reiterado em resolução do Senado. Ainda assim, diz Bichara, o INSS continua recorrendo em processos sobre o assunto, explorando brechas que não dizem respeito diretamente ao mérito. Outro caso de divergência se dá no recém-julgado aumento da base de cálculo da Cofins pelo Supremo no fim de 2005. Em uma decisão recente, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região, com sede no Rio de Janeiro, se recusou a replicar o entendimento do Supremo e manteve a incidência da contribuição sobre o faturamento. Situações do tipo, para Bichara, poderiam ser evitadas com a adoção de súmulas. O advogado afirma que a principal mudança na área tributária decorrente da súmula impeditiva deverá vir na disputa contra a cobrança da Cofins das sociedades de prestadores de serviços. A cobrança é vetada pela Súmula nº 276 do STJ desde 2003, mas o texto é controverso tem pouca popularidade entre juízes e desembargadores. Desde 2003, a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) está em campanha declarada pela reversão do entendimento do STJ e tenta evitar o trânsito em julgado das ações sobre o tema - cerca de 22 mil, segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Com a súmula impeditiva, a tarefa se tornará mais complicada. Outro exemplo de tema que deverá sofrer mudanças é a disputa sobre o IPTU progressivo cobrado por algumas capitais na década de 90, antes da autorização criada por emenda constitucional em 2000. Segundo Bichara, apesar de definida pelo Supremo desde 1997, o município do Rio de Janeiro continua recorrendo nessa disputa, respaldado por um posicionamento favorável ao fisco no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). O secretário de Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini, afirma que a súmula impeditiva deverá dar mais força às decisões do juiz de primeiro grau, mas não se trata exatamente de uma inovação no campo jurídico brasileiro. Hoje, o desembargador responsável pela apelação também pode negar seguimento ao recurso que contraria súmula do STJ e Supremo. Para Bottini, os advogados deverão escapar da súmula impeditiva usando mandados de segurança, que tem trâmite mais rápido e uso mais restrito. Assim, o aumento de mandados não anulará os ganhos com a redução no número de apelações. Para o jurista Wagner Balera, especialista na área previdenciária, a súmula impeditiva de recursos é em princípio benéfica, pois evita disputas inúteis, mas pode virar um instrumento de abusos contra contribuintes e usuários dos serviços públicos. O risco é o aumento de pressões do governo para fazer súmulas sobre temas responsáveis por prejuízos aos cofres públicos. "O problema são os julgamentos políticos, que contam com grande pressão do governo para evitar aumento de gastos", diz Balera.