Título: Petrobras negocia com a Bolívia sem interferência do Planalto
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, Brasil, p. A2

Brasil e Bolívia vão trabalhar juntos na substituição dos cultivos de coca e no treinamento de funcionários bolivianos nos setores de administração pública e de petróleo, informou ao Valor o assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia. A viagem de Garcia à Bolívia, na quarta-feira, serviu, também, para reafirmar, ao governo de Evo Morales, que a negociação sobre a atuação da Petrobras no país será comandada pela própria empresa, sem ingerências do governo brasileiro, segundo explicou o embaixador do Brasil no país, Antonino Mena Gonçalves. "Há alguma dificuldade em compreender que a Petrobras não é uma estatal no sentido tradicional", comentou Mena Gonçalves. Hoje, dois dirigentes da empresa, o diretor de Gás e Energia, Ildo Sauer, e o diretor internacional, Nestor Ceveró, vão a La Paz negociar com os bolivianos a regulamentação da Lei de Hidrocarbonetos, que aumenta a taxação sobre as empresas petrolíferas e garante a propriedade estatal das reservas de combustível fóssil no país. Para enfatizar a distinção entre as conversas entre os governos e a negociação com a Petrobras, o embaixador brasileiro não acompanhará Sauer e Cerveró nos compromissos com o governo Morales. "Essa questão tem de ser decidida em todos seus aspectos: passado, presente e futuro", comentou Marco Aurélio Garcia, ao relatar como disse a Evo Morales que a regulamentação da exploração das reservas de gás na Bolívia têm de levar em conta os planos de investimentos futuros das empresas como a Petrobras - ameaçados, caso a regulamentação prejudique sensivelmente o setor privado. Garcia confirmou ter insistido, com Morales na distinção entre governo brasileiro e Petrobras. "É um tema comercial, não de governos", resume Mena Gonçalves, que, porém, tem trocado informações com a estatal sobre os rumos das conversas com os bolivianos. Morales disse ao assessor de Lula que, ao acusar, nesta semana, empresas petroleiras de conspirarem contra o governo recém-eleito, não se referiu à Petrobras. Na terça-feira, o presidente boliviano havia declarado ter informes do Exército com indicações de um complô contra o governo local. Garcia fez questão de lembrar que a Petrobras foi a única empresa de petróleo que não contestou judicialmente a lei. Ele disse ter recebido uma acolhida cordial do presidente, que o atendeu com os principais membros do gabinete. Garcia ofereceu o envio de uma missão de representantes brasileiros para iniciar as negociações sobre cooperação entre os dois países. O assessor de Lula acredita que, em três semanas, Evo Morales poderá receber a missão, a quem entregará a lista das principais demandas bolivianas em relação ao Brasil. Nas próximas duas semanas, porém, ele deverá estar envolvido com a montagem do próprio governo, que reúne grande número de pessoas de fora das esferas administrativa e política bolivianas. O prazo de três semanas é considerado o mínimo necessário para que o governo de Morales possa designar interlocutores e identificar prioridades para as conversas com o Brasil. O presidente da Bolívia informou a Marco Aurélio Garcia que deseja apoio brasileiro para importação de máquinas agrícolas, dentro do programa oficial que lançará, de modernização das pequenas propriedades rurais. Também mostrou interesse em apoio da Embrapa para o programa voluntário de substituição do cultivo de folhas de coca por outra culturas que possam apresentar lucratividade. Os bolivianos têm interesse no programa brasileiro de produção de álcool combustível. "Constatamos que os dois países têm muitos programas de cooperação que estavam paralisados, e vamos reativá-los", anunciou Garcia. "O ideal é facilitar o acesso dos produtores agrícolas bolivianos aos mercados na faixa de fronteira, no Mato Grosso e Rondônia", sugere Mena Gonçalves