Título: Superávit fiscal deve ficar muito próximo da meta
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, Brasil, p. A4

Conjuntura Tendência é de gastos mais uniformes ao longo do ano

Com a decisão do governo de acelerar os gastos nos próximos meses, o padrão da política fiscal deve mudar em 2006. Em vez da tradicional estratégia de concentrar a economia de recursos para pagar juros no primeiro semestre e aumentar as despesas no segundo, a tendência é de gastos mais uniformes ao longo do ano, com o superávit primário fechando 2006 muito próximo da meta oficial, de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB).

Os analistas também esperam um crescimento do volume de investimentos, mas ninguém prevê nada bombástico. Além de não haver muita margem de manobra para manejar as despesas, o governo já se comprometeu com a elevação de alguns gastos obrigatórios, como os decorrentes do forte reajuste do salário mínimo sobre as contas do INSS. Desse modo, se quiser cumprir a meta de superávit primário, não há espaço para uma expansão acentuada dos investimentos.

O governo Lula já mostra a disposição de aumentar os gastos neste ano, depois de ter feito em 2005 um superávit fiscal de 4,84% do PIB. E, como nota um relatório do Banco Credit Suisse, "a própria legislação eleitoral induz uma mudança no perfil dos gastos, pois o governo enfrentará uma série de restrições para a contratação de novas despesas a partir de julho". "É natural que os resultados mensais da administração federal sejam acompanhados com mais atenção em 2006", afirma o economista-chefe do Credit Suisse, Nilson Teixeira. Para ele, gastos muito fortes nos primeiros meses do ano aumentariam o risco de não cumprimento da meta de 4,25% do PIB, podendo até mesmo ser "interpretados como um indicador de despesas maiores ao longo de todo o ano". No limite, os investidores poderiam colocar em dúvida o compromisso do governo com a política de rigor fiscal, o que poderia elevar o risco-Brasil, avalia o banco. Esse cenário, porém, não parece o mais provável. O próprio Credit Suisse projeta um superávit primário de 4,4% do PIB em 2006. "O risco de não se cumprir a meta existe, mas é pequeno e administrável", diz o economista-chefe do Banco Calyon, Dalton Gardimam. "Não cumpri-la, mesmo que por 0,01% do PIB, custaria vários e vários pontos do risco-país. Seria uma estratégia míope." Ainda que a qualidade da política fiscal esteja longe de ser a ideal, parece firme a disposição do governo de gerar superávits primários suficientes para no mínimo manter estável a relação dívida/PIB, hoje em 51,6%. O que está praticamente descartado é um esforço na casa de 5% do PIB. Gardimam acredita num superávit bem próximo dos 4,25% do PIB. Se o compromisso com a meta não vai ser abandonado, o que deve mudar realmente é o padrão de execução orçamentária ao longo do ano. O estudo do Credit Suisse mostra que, entre 2000 e 2005, nada menos que 71% do superávit primário do governo federal foi obtido no primeiro semestre. Como 2006 é um ano de eleições e o governo quer que o impacto dos gastos sobre o crescimento apareça ainda antes do pleito de outubro, será necessário gastar mais nos primeiros meses de 2006, nota a economista Margarida Gutierrez, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "O padrão de gastos vai ser mais uniforme ao longo do ano", resume ela. Margarida lembra que os investimentos, em especial, têm que ser planejados com antecedência, tanto pela questão das licitações quanto pelo fato de a execução ser mais complicada. Com isso, a tendência é que as inversões sejam aceleradas no primeiro semestre, o que deve se dar também pela imposição do calendário eleitoral, como lembra Teixeira: "A partir de julho, por exemplo, o governo não mais poderá empreender novas obras, mas apenas arcar com os pagamentos daquelas já licitadas e em andamento". Para ele, essa é uma das restrições que vão impedir um aumento muito expressivo dos investimentos em 2006, ainda que os recursos disponíveis para esse fim sejam maiores que nos últimos anos. O Credit Suisse estima que há R$ 25,7 bilhões para o governo federal investir neste ano, dos quais R$ 11 bilhões se referem a restos a pagar de exercícios anteriores e R$ 14,7 bilhões que fazem parte da proposta de orçamento de 2006 (ainda não aprovada pelo Congresso). O gasto integral desse dinheiro significaria uma forte expansão do volume de investimentos em relação a 2005, quando totalizaram apenas R$ 10 bilhões, ou 0,52% do PIB. A questão é que parece impossível empregar todo esse montante. Margarida lembra que o governo não tem mostrado capacidade de organização para aplicar recursos dessa magnitude, principalmente em tarefas complexas como o investimento em infra-estrutura. Além disso, algumas despesas correntes - e obrigatórias - vão aumentar muito neste ano. É o caso dos gastos com aposentadorias, que vão crescer bastante devido ao impacto do reajuste do salário mínimo, que corrige dois terços dos benefícios do INSS. O Credit Suisse estima que o déficit da Previdência, que atingiu 1,94% do PIB em 2005, deve crescer 0,25 a 0,3 ponto percentual em 2006. Nesse cenário, Teixeira avalia que os investimentos do governo federal devem aumentar algo como 0,15 a 0,2 ponto percentual do PIB em relação ao 0,52% do PIB efetivado em 2005. É um número ainda baixo, mas é difícil ir muito além disso, dadas todas essas restrições. Um eventual crescimento mais forte das receitas e uma expansão mais modesta das despesas correntes poderiam abrir espaço para mais investimentos, avalia o relatório do Credit Suisse. Mas, pelo menos por enquanto, são apenas possibilidades que não entram nas contas dos analistas. O resumo da história? Se quiser cumprir a meta de superávit primário de 4,25% do PIB, o governo federal não vai poder gastar muito mais do que 0,7% do PIB com inversões. Para comparar - e deixar claro que é muito pouco: as despesas do INSS totalizaram 7,57% do PIB em 2005 e o pagamento de juros, 8,13% do PIB.