Título: "Estou tranquilo, estou contente"
Autor: Cristiano Romero e Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, Política, p. A5

O que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu em peso, mais de 12 quilos, segundo seu próprio cálculo, ganhou em disposição. "Estou tranqüilo, estou contente", dizia ontem em Argel, depois de tomar o café da manhã com os jornalistas que acompanham a comitiva presidencial na viagem de cinco dias a quatro países da África. Como de outras vezes, disse que não precisa ter pressa em definir sua recandidatura, mas deixou claro que essa é a regra, já que a reeleição existe no país embora ele seja contrário a ela. "Agora eu não posso é permitir que o nervosismo eleitoral tire a cabeça do presidente da República do principal, que é a economia, o povo e o desenvolvimento do Brasil", disse. De fato, Lula sempre se manifestou e na Assembléia Constituinte votou contra uma proposta que estabelecia a reeleição para cargos do Executivo. Atualmente, embora continue contrário, o presidente avalia que qualquer mudança só pode ocorrer a partir da eleição de 2010, no fim do mandato de seu sucessor. Mudar agora seria alterar as regras do jogo durante a disputa, como ele julga pelo menos duas vezes ter ocorrido para prejudicá-lo. A primeira delas, na revisão constitucional de 1993, quando o mandato presidencial foi reduzido de cinco para quatro anos, devido à expectativa dos grandes partidos de que o PT ganhasse a eleição de 1994. A segunda em 1997, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou a reeleição e obteve um novo mandato a bordo da popularidade conseguida com o Plano Real. Depois de três anos na Presidência da República, a implicância de Lula com o instituto da reeleição parece ter se sedimentado. O presidente viveu na própria pele o problema de ter de governar, no primeiro ano, com o Orçamento feito pelo governo anterior, com suas prioridades. O segundo ano é ano de eleição para prefeito municipal. A eleição é paroquial mas tem repercussão nacional, pois envolve deputados federais e senadores que já preparam a própria reeleição para dois anos mais tarde. E se o partido do presidente perde, a derrota acaba na conta do governo federal. Exemplo disso foi a eleição de São Paulo, onde a prefeita Marta Suplicy viu no desgaste do governo de Lula, em 2002, boa parcela de culpa por sua derrota para José Serra. O terceiro é o ano que os políticos em geral costumam avalizar como o melhor, época em que o governante já domina a máquina e começa a se preparar para a colher resultados no ano seguinte, o da tentativa da reeleição. Lula também acha que o terceiro ano é o melhor, mas, realista, avalia que isso não aconteceu com ele por causa da crise que desde junho do ano passado paralisou o Congresso e jogou o governo na defensiva. Cerca de oito meses depois e três CPIs, Lula parece ter recuperado de vez a forma física e o fôlego: "Não gostaria que no Brasil houvesse reeleição, mas ela existe. O presidente não pode ter pressa da reeleição. O presidente tem que governar até 31 de dezembro de 2006", afirmou. Embora não diga com todas as letras, Lula já articula intensamente a reeleição. Na viagem entre Brasília e Argel, passou boa parte do tempo conversando com o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, cotado para ser candidato a vice na chapa de Lula ou chefiar a campanha do presidente à reeleição. Ciro confirma que estará na campanha de Lula, só ainda não tem certeza em que lugar. Foi a Ciro que coube responder às críticas de FHC, segundo as quais a ética do PT é roubar. O ministro também já dá palpites nas estratégicas palacianas. Ele tem defendido que a CPI dos Correios deve investigar tudo e punir culpados apanhados na rede do mensalão. Avalia que isso dará discurso a Lula: houve problemas, mas o governo investigou, não abafou, como outros fizeram e puniu exemplarmente os culpados.