Título: Lula vê pouca chance de avanço na OMC
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, Especial, p. A14

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou ontem a Argélia com destino ao Benin, segunda escala de uma viagem de cinco dias à Africa, com a sensação de ter deixado resolvido o contencioso do embargo argelino à carne brasileira. É um sentimento conhecido de Lula: nem sempre a linguagem da diplomacia dos encontros de cúpula se traduz em ações concretas e imediatas. Experiente, após três anos de um mandato marcado por intensa atividade internacional, o presidente acredita que só sob "pressão" os países mais ricos, especialmente os europeus, farão concessões na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, que está à beira de um impasse definitivo. "Eu não espero nada na mesa de negociação", disse Lula num encontro com jornalistas na residencial oficial de verão do governo da Argélia, localizada em Zeralda, na periferia da capital, Argel. "Isso porque (na mesa de negociação) ninguém cede nada a ninguém". Para Lula, é preciso "fazer pressão", pois, segundo avalia, as economias mais industrializadas "só vão ceder na hora em que perceberem que os interesses comerciais deles vão correr riscos se não atenderem as necessidades básicas dos países pobres". Lula está convencido de que o Brasil tem hoje uma respeitabilidade internacional que não tinha até poucos anos atrás. Nas últimas semanas, o presidente conversou por mais de uma de uma vez com os primeiros-ministros Tony Blair (Inglaterra) e Angela Merckel (Alemanha), além dos presidentes Jacques Chirac (França) e George W. Bush (Estados Unidos). Em todas as conversas, o assunto foi o mesmo: o impasse da Rodada Doha, na qual os europeus se limitaram a oferecer concessões pífias em relação ao motor da rodada: a redução de subsídios aos agricultores, a eliminação das subvenções às exportações e a substancial abertura do mercado agrícola. De todos os quatro Lula recebeu, como sempre, palavras de estímulo. Alguns sugeriram inclusive que ele deve tomar a iniciativa de convocar uma reunião do G-8, o clube dos países mais ricos, com o G-20, o grupo que representa os países emergentes. Das palavras de estímulo à prática, no entanto, a Rodada de Doha não anda. É por isso que o presidente tem dito e repetido que as negociações em nível ministerial se esgotaram, bateram "no limite". A saída agora teria de ser negociada entre os chefes de Estado. É a idéia que Lula pretende lançar no café da manhã que terá com outros 13 chefes de Estados que integram a Cúpulas da Governança Progressista, que se reúne no domingo em Pretória, África do Sul. Entre eles os premiês Tony Blair e José Luis Zapatero (Espanha). "Certamente (as concessões) dependem dos países mais ricos", argumenta Lula, "mas também da pressão que nós tivermos competência para fazer". Diz o presidente: "Não acho que o Chirac vai ceder porque eu vou dizer a ele que a Guiné Bissau está passando fome; não acho que o Bush vá ceder porque eu digo que no Senegal e no Brasil tem problemas". Para Lula, os países industrializados só farão concessões quando se convencerem de que podem ter problemas também. "É preciso dar uma chance aos países menos desenvolvidos para que a gente possa reduzir a violência, a pobreza e o terrorismo". No almoço oferecido pelo presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, no palácio que antigamente servia de residência de verão do governo colonizador franceses, Lula voltou ao assunto: "O terrorismo é um mal que deve ser combatido com energia e tenacidade. Mas povos livres, bem alimentados, senhores dos seus destinos não terão porque recorrer ao terrorismo", argumentou, antes de arrematar: "temos que convencer os poderosos deste mundo que é mais barato e mais eficaz combater a pobreza e as injustiças do que construir arsenais milionários, que apenas agravam a insegurança". As economias emergentes querem concessões dos mais desenvolvidos, no setor agrícola, para dar como contrapartida a maior abertura de suas economias nos setores industrial e de serviços. Os Estados Unidos concordam com a exigência dos emergentes, mas, para justificar a redução dos próprios subsídios, precisam que a Europa faça o mesmo. A Inglaterra é simpática ao mandado de Doha, que encontra na França a sua mais forte resistência: os agricultores franceses, que têm forte influência política, opõem forte resistência ao acordo Na conversa com Merckel, a chanceler alemã sugeriu a Lula expor sua proposta na reunião de cúpula a ser realizada em maio, em Viena, entre as cúpulas da América do Sul e da União Européia. Lula ainda não decidiu se vai ao encontro. vai depender dos representantes que confirmarem presença. Só pretende ir se forem chefes de Estado e fortes e influentes no G-8. Antes disso, no entanto, gostaria de tentar uma reunião entre o G-20 e o G-8, entre e março e abril, para um ensaio geral do encontro de Viena. Na Argélia, Lula obteve também o apoio do presidente Abdelaziz Bouteflika à proposta de reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), mas nos 29 itens que integram o comunicado conjunto divulgado ao final do encontro não há sequer uma menção à palavra carne. Lula deixou Argel convencido de que Bouteflika nem sabia do embargo imposto à importação da carne brasileira, depois que alguns focos de febre aftosa foram descobertos em 2005, medida tomada em algum escalão técnico do governo, e que está disposto a resolver o problema. Mas sem certeza alguma sobre qual e quando será a solução.