Título: A saga do avestruz
Autor: Danilo Fariello
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, EU &, p. D1
Pelo menos 50 mil pessoas aguardam para os próximos dias um proposta que permita recuperar uma parte do R$ 1,7 bilhão aplicado
Um drama financeiro une um bancário paulista, um empresário carioca, um engenheiro português, outros espanhóis, alguns investidores americanos e diversos aplicadores de todo o Brasil, principalmente do Planalto Central. Todos acreditaram que conseguiriam rentabilidade acima de 10% ao mês na criação de aves pela Avestruz Master e podem perder todo o valor que investiram. Alguns aplicaram mais de R$ 3 milhões na empresa. No total, mais de 50 mil pessoas foram lesadas e o rombo chega a R$ 1,7 bilhão. Os investidores agora buscam consolo em alguma saída para a empresa, que atravessa um processo de recuperação judicial. Na quarta-feira, será apresentada à 11ª Vara Cível de Goiânia, onde está a sede da empresa, o plano de recuperação promovido pelos administradores judiciais. A proposta prevê a formação de uma sociedade anônima que abrigará os investidores como sócios, além do dono da empresa, Jerson Maciel, com 25% do capital da nova companhia, que continuará operando com as aves. Nessa toada, é previsto que a empresa gere resultados para os credores a partir de dois anos. A proposta recebe críticas de aplicadores e associações, que temem que, nesse caso, os investidores, ao se tornarem sócios da empresa, passem também a ser devedores. Outra saída para o processo está na decretação da falência, defendida por algumas associações. No entanto, uma análise da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal indicou que o patrimônio da empresa, que formaria a massa falida, significa apenas cerca de 3% da dívida. Nesse, caso, portanto, os investidores poderiam receber, depois de alguns anos, apenas uma pequena fatia do valor. Os envolvidos dão como praticamente certa uma contestação do plano que prevê a criação da sociedade anônima com participação de 25% de Maciel por parte dos credores. A resolução do processo, nesse caso, dependeria da decisão de uma assembléia dos investidores. Essa reunião deverá ocorrer até o dia 15 de maio. O juiz responsável pela condução do processo da Avestruz Master, Carlos Magno Rocha da Silva, da 11ª Vara Cível de Goiânia, reconhece que não há meios de que todos os investidores compareçam à assembléia geral. Ele teme pela representatividade das entidades que dizem falar em nome dos credores, como o Procon, por exemplo. "A maior parte dos investidores está perdido, sem saber como agir." Rocha da Silva diz tentar se precaver contra manipulações no resultado da provável assembléia que favoreça a família Maciel. Ele assegura, porém, que nenhum familiar ou representante franqueado da Avestruz Master, apesar de possuir dívidas, terá direito a voto na assembléia geral dos credores. Diferente do caso das Fazendas Reunidas Boi Gordo, neste caso a empresa possui patrimônio, embora pequeno, diz o juiz Rocha da Silva. "Esses recursos poderão ser alienados e distribuídos entre os credores, em caso de falência." Ele diz que, se houve evasão de divisas por parte dos sócios, conforme aventado pela Polícia Federal, esses recursos poderiam ser trazidos de volta e também divididos. O juiz diz que há alternativas entre a falência e a formação da sociedade anônima. "A nova Lei de Falências prevê 16 opções." Entre elas, a formação de uma cooperativa dos credores, aumento do capital social e cisão da empresa. Além dessas opções, caso os credores concordem, qualquer alternativa viável sugerida poderá ser acatada pelo juiz. Além da comissão do Senado, a Polícia Federal encerrou na semana passada inquérito que apontava indícios de estelionato e crime contra a poupança popular e o sistema financeiro. No entanto, nenhuma cópia desses inquéritos foi enviada à 11ª Vara Cível de Goiânia. Vários investidores também conseguiram na Justiça a apreensão de bens e aves. Isso, segundo o juiz, acaba prejudicando os próprios credores. Milhares de aves, dos mais de 600 mil animais que a Avestruz Master diz ter, já teriam morrido por falta de cuidados. O juiz tem liberado recursos das contas bloqueadas da empresa para cuidar das aves conforme a necessidade. Assistindo a essa peleja, estão os milhares de investidores que viram sua aplicação perto de virar pó. "A empresa foi para o vinagre e agora não tenho mais muitas esperanças", diz um empresário carioca do ramo de móveis que investiu recursos dele e da empresa da qual é sócio na Avestruz Master. O irmão que mora em Goiânia foi quem deu a dica do investimento. "A rentabilidade era muito boa e a empresa existia há mais de cinco anos." Antes de investir, o empresário cercou-se de cuidados. Visitou fazendas em Goiás e viu os animais. Não aplicou todos os seus recursos disponíveis nos bichos, mas, ainda assim, agora não consegue esconder o sentimento de impotência. Sobre a formação da sociedade anônima aberta, ele mostra alguma esperança, mas pouca empolgação. A febre do avestruz tornou-se popular até no coração financeiro do Brasil. Um funcionário de um banco em São Paulo, soube da aplicação numa conversa informal com colegas da mesa de operações onde trabalha. "Um amigo tinha um primo na empresa e dele partiu a indicação." Ele aplicou inicialmente R$ 4 mil e viu a Avestruz Master titubear quando os recursos, reinvestidos, passavam de R$ 10 mil. O bancário de 25 anos diz que perdeu o chão no momento em que o prejuízo foi revelado, mas admite também que estava consciente dos riscos. "Como profissional do meio financeiro, sabia que ninguém pode oferecer uma rentabilidade dessa proporção com muitas garantias." O biólogo Andrés Jimenez Galisteo Júnior investiu R$ 1.905 sob influência do irmão, que também tinha dinheiro na empresa. Agora Galisteo diz só aplicará sempre em "produtos ortodoxos bancários". "Eu sabia que o risco existia, por isso não apliquei tudo que tinha na Avestruz Master, mas tenho certeza de que agora ficarei nas aplicações convencionais." Ele ainda espera receber seu dinheiro de volta um dia.