Título: A Lei nº 11.265 e a indústria farmacêutica
Autor: Claus Nogueira Aragão e Bruno Toledo Checcia
Fonte: Valor Econômico, 10/02/2006, Legislação & Tributos, p. E2

"Só agora a comercialização e distribuição de alimentos para lactentes foi regulamentada"

Em 1979, em reunião conjunta da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 150 países, dentre os quais o Brasil, se comprometeram a regulamentar a comercialização e distribuição de alimentos para lactentes. Não obstante a existência de resolução do Conselho Nacional de Saúde tratando da matéria, a comercialização de produtos para lactentes e crianças de primeira infância - até três anos de idade - somente veio a ser regulamentada, no Brasil, pela Lei nº 11.265/2006. Em seu artigo 1º, a lei em apreço é clara em afirmar que o seu objetivo é o de contribuir para a adequada nutrição dos lactentes e das crianças de primeira infância. A norma em comento, que traz em seu bojo a definição de todos os termos a que se refere, o que certamente evita problema de interpretação, aplica-se à comercialização e às práticas correlatas, à qualidade e às informações de produtos fabricados no Brasil ou importados. Com o advento da Lei nº 11.265/2006, passou a ser proibida a promoção comercial de fórmulas infantis para lactentes, de fórmulas de nutrientes para recém-nascidos de alto risco e de mamadeiras, bicos e chupetas. A lei estabeleceu, também, restrições à propaganda dos demais produtos que abrange, quais sejam: fórmulas infantis para crianças de primeira infância, leites fluidos, leites em pó, leites modificados e similares de origem vegetal e alimentos de transição e alimentos à base de cereais indicados para lactantes ou crianças de primeira instância. Em conformidade com o objetivo da lei de colaborar para o incentivo ao aleitamento materno, tais produtos devem incluir, em seus rótulos, os dizeres "o Ministério da Saúde informa: o aleitamento materno evita infecções e alergias e é recomendado até os dois anos de idade ou mais" e " o Ministério da Saúde informa: após os seis meses de idade continue amamentando seu filho e ofereça novos alimentos". Um aspecto importante da Lei nº 11.265/2006 é a atribuição de responsabilidade aos fabricantes, distribuidores ou importadores sob os ilícitos previstos na lei, na medida em que lhes impõe o dever de "informar seus representantes comerciais e as agências de publicidade contratadas acerca do conteúdo desta lei". Trata-se de clara responsabilização da indústria farmacêutica e alimentícia pelas campanhas publicitárias, cabendo aqui lembrar que os produtos sujeitos à vigilância sanitária também estão sujeitos a regulamentação própria no que diz respeito à propaganda. De acordo com a norma, os fabricantes, importadores e distribuidores dos produtos em apreço poderão, apenas, conceder patrocínios financeiros ou materiais às entidades científicas de ensino e pesquisa ou às entidades associativas de pediatras e de nutricionistas reconhecidas nacionalmente, sendo vedado o patrocínio a pessoas físicas. Nesse aspecto, no entanto, a lei se afastou da razoabilidade. Isso porque tal imposição não guarda qualquer relação com a campanha pró-amamentação que justifica a criação da norma em tela, trazendo claro prejuízo aos fabricantes e distribuidores, que não mais poderão patrocinar pesquisas de pessoas físicas ou associações esportivas. Tal medida poderá trazer perdas para o esporte nacional, posto que parte das empresas abrangidas pela proibição comercializa outros produtos que não os regulamentados por esta lei e investe consideráveis valores no patrocínio de agremiações esportivas.

O legislador perdeu a oportunidade de criar infrações própria para a venda de produtos abrangidos pela lei

O que, de fato, deveria ser proibido é a utilização de imagens, figuras ou qualquer forma de associação dos produtos mencionados na lei nos atos de patrocínio, mesmo porque fabricados por empresas com grande leque de produtos. Outras formas de patrocínio que não se relacionassem com os produtos tratados na lei não prejudicariam a campanha pró-amamentação. Espera-se que a regulamentação da lei, que caberá ao Poder Executivo, disponha de maneira mais específica sobre a matéria. No que tange à rotulagem dos produtos, a lei proíbe a utilização de quaisquer representações gráficas que não aquelas ilustrativas dos métodos de preparação ou uso do produto - que agora são obrigatórias - exceto marca ou logomarca que não utilize imagem humanizada. São proibidas também quaisquer frases que promovam os produtos da empresa que sugiram semelhança do produto com o leite materno, que induzam dúvida quanto à capacidade das mães de amamentarem ou que identifiquem o produto como mais adequado. A lei também estabelece ser vedada a indicação de condições de saúde para as quais o produto possa ser utilizado. No entanto, em muitos casos, tal informação é essencial, mesmo porque alguns dos produtos em tela, destinados exatamente para situações específicas, são vendidos ao público em geral. A proibição de tais informações pode constituir ofensa ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), posto que o consumidor tem o direito à informação adequada e clara sobre o produto que está adquirindo. As exceções às proibições relativas à rotulagem são referentes aos alimentos de transição e à base de cereais, aos quais é permitido o uso de ilustrações, fotos ou imagens, desde que não sejam de lactentes ou de crianças de primeira infância, e às mamadeiras, bicos e chupetas, nas quais é permitido o uso de ilustrações e desde que não sejam humanizadas ou sugiram semelhança com a mama ou o mamilo. Muito embora a lei tenha entrado em vigor no dia de sua publicação, foi concedido o prazo de um ano para que os fabricantes, distribuidores e importadores se adequem às suas disposições, à exceção daquelas relativas aos bicos, chupetas e mamadeiras, para os quais o prazo é de 18 meses. Tendo em vista que diversos aspectos da lei dependerão de regulamentação, especialmente no que diz respeito ao patrocínio, à comercialização e publicidade dos produtos em tela, aguarda-se que o Poder Executivo edite decreto nesse sentido o quanto antes, especialmente para não prejudicar os fabricantes, distribuidores e importadores, que precisarão se adequar aos termos da norma. As infrações aos dispositivos da lei em apreço se sujeitarão às penalidades previstas na Lei nº 6.437/77, que trata das infrações aos produtos submetidos à vigilância sanitária. Trata-se de disposição de discutível legalidade, pois a Lei nº 6.437/77, evidentemente, não possui disposições específicas quanto ao objeto da Lei nº 11.265/2006, razão pela qual será aplicada por analogia ou por meio de dispositivos vagos e não específicos, que não se coadunam com o direito penal pátrio. Nesse ponto, perdeu o legislador a oportunidade de criar infrações próprias e específicas para a comercialização de produtos abrangidos pela lei em comento, no que não só teria facilitado a aplicação de penalidade aos infratores, como também teria contribuído de forma mais eficaz para o próprio cumprimento da lei.