Título: Imprevisível
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2006, OPINIÃO, p. 6

O problema é nacional, mas no Rio, por várias razões, ele mostra sua verdadeira dimensão. A favelização carioca atinge toda a população, esgueira-se em todos os bairros. Mesmo os nobres. O mais recente fruto desse grave processo de degradação é a expansão da Favela Chácara do Céu por sobre o Alto Leblon, nas franjas do Dois Irmãos, o mais novo candidato a se transformar numa Rocinha ou num Vidigal. O crescimento desordenado dessas comunidades corrói já há algum tempo uma das melhores características da cidade: o saudável convívio entre classes sociais. Pena, pois foi essa miscigenação que moldou o espírito carioca, forjou a criatividade artística do Rio, com destaque para a música. Tudo está sob risco. A sucessão de governos descuidados com o problema, por incompetência, populismo e demagogia operosos, criou a cidade partida e tem prejudicado toda a população por afugentar investimentos e turistas. Passou o momento de teorizações e posturas politicamente corretas diante da questão. Agora, quando o governo federal, por razões eleitoreiras, decide estimular a venda no varejo de materiais de construção, e com isso incentiva a favelização por todo o país, o problema se torna ainda mais grave. É preciso atropelar preconceitos antigos para efetivamente se começar a desfavelizar o Rio. Para o bem de todos, a começar dos próprios favelados. Ninguém deseja viver de forma precária, ainda mais subjugado por gangues. Estamos com aproximadamente 5,5 milhões de habitantes, cerca de 20% dos quais são favelados (1,2 milhão). Esse contingente da população cresce à razão de 30 mil pessoas por ano, ou aproximadamente mais 8 mil barracos a cada doze meses. É fácil concluir que as formas usuais de manejar as favelas são incapazes de impedir a sua expansão. Antes que a metástase se alastre ainda mais é preciso agir com vigor. Recursos pode se conseguir. Mas sem vontade e mobilização políticas, o futuro do Rio é incerto. Numa visão otimista.