Título: Atraindo os estrangeiros para a dívida interna
Autor: Sérgio Leo
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2006, Brasil, p. A2
O governo conseguiu um raro consenso favorável a uma decisão da equipe econômica, ao anunciar que aproveitará as reservas do país em moeda estrangeira para resgatar antecipadamente títulos da dívida externa com vencimento até 2010, e os chamados Bradies, papéis resultantes da renegociação da moratória decretada em 1987. Menos consensuais, porém, deverão ser algumas conseqüências da medida, explícita ou implicitamente anunciadas pelo governo, sobre a dívida pública e o mercado de dólares. Os papéis alvo da ação do Tesouro Nacional somam cerca de US$ 20 bilhões, dos pouco mais de US$ 80 bilhões da dívida externa brasileira. O objetivo, evidentemente, não é o de acabar com a dívida externa, repudiada no passado pelo PT e por Lula, mas reduzi-la a limites inofensivos, e prolongar seu prazo de vencimento. Não há queixas quanto a isso. O governo divulgou claramente também que pretende, com a redução de títulos externos disponíveis no exterior, atrair para o mercado interno de papéis os investidores hoje interessados no exterior pelo Brasil. Algumas poucas vozes, em conversas reservadas, manifestam preocupação, porém, com eventuais riscos de volatilidade, em ter a dívida interna brasileira nas mãos de aplicadores internacionais. É um mercado de grande potencial, especialmente à medida em que se reduzir, lá fora, a percepção de risco para aplicações no mercado brasileiro. Uma estimativa grosseira sobre o volume de investimentos em papéis, no exterior, ligados, por operações no mercado de derivativos, à remuneração dos títulos da dívida interna, aponta entre US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões que poderiam migrar diretamente para o mercado de papéis dentro do país, caso as condições sejam mais favoráveis aos aplicadores estrangeiros, segundo calcula Paulo Leme, da Goldman Sachs. "São investimentos estrangeiros na taxa de juros brasileira; seria muito mais elegante ter isso aplicado em LTNs ou NTN-B, papéis da dívida referenciados no câmbio", comenta Leme. Ele ironiza a preocupação com a possibilidade de aquisição de uma excessiva parcela da dívida interna por investidores estrangeiros, lembrando o tamanho da dívida em títulos federais no país, próxima a R$ 1,2 trilhão. "A dívida pública é tão grande que tem espaço para todos; mesmo crescendo, a participação estrangeira ainda será pequena." Como se viu pela reação dos especialistas logo após o anúncio do governo, consolidou-se a convicção de que logo virá também o anunciado fim da tributação imposta aos estrangeiros no mercado financeiro nacional. "Faz todo o sentido tirar o imposto, que é cobrado sobre o ganho em reais e só aumenta o risco para o investidor", comenta Luiz Fernando Figueiredo, da Mauá Investimentos. Sem o fim do imposto, o governo dificilmente garantirá o objetivo de trazer para dentro do país investidores que apostam no Brasil lá fora, acredita. "O custo, com o imposto, é proibitivo."
Sinais indicam fim de barreiras ao dólar
Os sinais emitidos pelo governo apontam mesmo para uma crescente derrubada de barreiras ao fluxo de dólares no país, lastreada na confiança, por parte de autoridades e de analistas, de que o mercado flexível de câmbio e a credibilidade adquirida pela política econômica são suficientes para atravessar turbulências imprevistas e minimizar algum inesperado aumento na volatilidade do mercado de câmbio. "O problema criado pela volatilidade dos investimentos de curto prazo era o câmbio fixo", comenta Figueiredo, integrante da diretoria do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso, que, nas eleições de 2002, enfrentou um déficit de US$ 28 bilhões nas contas externas e foi obrigado a vender ao mercado US$ 9 bilhões para auxiliar o setor privado a fazer frente aos compromissos com o exterior. Hoje, com superávit, e não déficit nas contas correntes com o exterior e câmbio livre, seria menor o efeito de uma crise de confiança, acredita. A direção apontada pelo governo estimula economistas como Figueiredo a pressionar pela derrubada mais rápida dos controles sobre o câmbio de moeda estrangeira, na linha do projeto defendido pela Fiesp e estudado pelo Congresso. O fim da burocracia e dos controles sobre o trânsito de moeda completaria o processo de atração de investidores estrangeiros para o mercado local, facilitaria a redução do risco Brasil, aumentaria a disponibilidade de crédito e faria cair mais rapidamente os juros, diz ele, que endossa os argumentos em favor da liberalização do mercado de câmbio. "Temos uma legislação antiga, modernizada só na superfície, montada na escassez de liquidez, para um sistema de câmbio fixo". Com superávits de US$ 15 bilhões na conta corrente (de transações não-financeiras com o exterior, principalmente comércio), e de outros US$ 15 bilhões na conta de capital (sustentada por empréstimos e investimentos), o Brasil ainda trata como bandidos os que enviam dinheiro para fora do país, queixa-se Figueiredo. Não há dúvida que, mantido o cenário favorável na economia mundial, o aumento das facilidades para atração de investidores terá efeitos positivos de médio prazo, com a redução das taxas de risco cobradas do governo e empresas brasileiros. Mais importante, esse efeito positivo sobre a percepção do risco Brasil dará ao BC mais espaço para queda dos juros (e dos custos financeiros) no país, garantindo mais fôlego às empresas e estimulando investimentos. Paulo Leme acredita até em uma possível redução da carga tributária, já que o alívio na conta de juros reduziria também as necessidades de superávits nas contas do governo para pagamento dos custos da dívida pública. Todo esse cenário favorável arquiva a pretensão de alguma valorização mais forte do dólar em relação ao real. As empresas que, apesar das queixas, continuam registrando aumentos sucessivos das vendas ao exterior, passarão a conviver, também com contas externas mais folgadas e menor dependência do país em relação a superávits recordes no comércio exterior. Esse é um projeto que aposta na manutenção de condições externas favoráveis para o país, em curto prazo, e na confiança em mecanismos automáticos, de mercado, para ajuste de eventuais desequilíbrios. Em pleno ano eleitoral, seria interessante saber o que dele pensam os virtuais candidatos à Presidência da República.