Título: Governo acelera estudo sobre gasoduto
Autor: Cláudia Schüffner
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2006, Brasil, p. A4
Infra-estrutura Obra orçada em US$ 23,2 bi terá primeira reunião técnica de quatro países nesta quarta-feira
O governo brasileiro deu prioridade total aos estudos técnicos que vão balizar a decisão de construir o bilionário gasoduto orçado em US$ 23,27 bilhões que poderá transportar gás da Venezuela até o Brasil, Uruguai e Argentina. Na quarta-feira, o grupo formado por técnicos dos governos venezuelano, argentino e brasileiro se reunirá no Rio para mais uma rodada de discussões. O projeto já nasce polêmico, devido ao seu gigantismo, valor do investimento e traçado. Depois do Rio, há um encontro marcado para março, em Caracas. Num segundo momento, o grupo pode ganhar a participação de representantes do Uruguai, Chile, Paraguai, Bolívia e Peru. "Do ponto de vista de infra-estrutura regional, esse é o mais importante projeto da região em dez anos", ressalta o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau. "É uma rede que permitirá a integração sul-americana através do gás natural", complementa. O gigantismo da obra gera o que Rondeau chama de "desafios a serem contornados", além de levantar questões econômicas, como a da travessia de aproximadamente 2 mil quilômetros de dutos pela Amazônia legal. No atual desenho em estudo, o gasoduto terá capacidade de transportar 150 milhões de metros cúbicos de gás por dia, cinco vezes mais que o gasoduto Bolívia-Brasil. O combustível vai percorrer 9.283 quilômetros desde Puerto Ordaz, na Venezuela, atravessar o maciço das Guianas para entrar no Brasil por Roraima, passando por Amazonas, Pará, Tocantins - com ramais até Amapá, Maranhão e Ceará - Goiás e o Distrito Federal. Depois vai atravessar todo o Sudeste e o Sul até chegar ao Rio Grande do Sul, de onde segue para o Uruguai e a Argentina. Apesar de não estar ainda envolvida diretamente no projeto, a Petrobras tem feito estudos sobre o gasoduto. A estatal estima que serão necessários investimentos da ordem de US$ 23,27 bilhões, dos quais US$ 19,25 bilhões apenas na aquisição de dutos, construção e montagem. Ainda não está decidido se a obra será tocada pelas estatais, além da Petrobras, a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA), e pela argentina Enarsa, ou se terá participação de empresas privadas. Mas já houve manifestação de interesse da russa Gazprom. O grande gasoduto do Cone Sul, como apelidou o presidente Hugo Chávez, abastecerá a região com uma quantidade de gás que, em termos de geração de energia, equivale a 1 milhão de barris de petróleo por dia. É cerca de metade da produção interna de petróleo do Brasil prevista para o fim de 2006. O Brasil poderá absorver diariamente 650 mil boe (barris de petróleo equivalente, medida que expressa volumes de petróleo e gás natural no mesmo padrão). Se todo esse gás fosse utilizado na produção de eletricidade, seria possível produzir 30 mil MW de energia, o equivalente a três vezes a capacidade de Itaipu, por enquanto a maior hidrelétrica do mundo. A PDVSA já se dispôs a vender gás associado por US$ 1 cada milhão de BTU (unidade que mede o poder calorífero do gás). Esse preço pode aumentar para US$ 1,40 e US$ 1,70 quando o gás exportado for produzido em campos que ainda não estão em produção. Ao apresentar projeto ao Valor, o diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, um dos idealizadores da obra, deixou claro que ainda precisam ser definidas questões como o tamanho do mercado e a demanda, garantia de suprimento e certificação de reservas na Venezuela, estrutura institucional das empresas que vão produzir o gás, os sócios do gasoduto e os acordos internacionais que darão sustentação ao projeto. "Tem que haver tratados internacionais, acordos e financiamento", diz Sauer. "Falta todo um conjunto de decisões. É um páreo duro e não estou dizendo que ele vai ser feito. Só acho que precisa ser estudado com profundidade e ter um modelo de negócios". Sauer explica que essas e outras questões, como os acordos governamentais para solução de controvérsias serão discutidas mais adiante, "se o projeto prosperar". Pelos cálculos da Petrobras, somando-se o preço da commodity com a tarifa de transporte pelo gasoduto, o gás da Venezuela pode custar de US$ 3,50 a US$ 4,75 por milhão de BTU em qualquer ponto do Brasil, sem contar os impostos. O valor maior ou menor da tarifa vai depender do traçado final. O preço é competitivo até se comparado ao gás importado da Bolívia, que custa US$ 4,90 para consumidores industriais. Sauer atribui essa vantagem ao tamanho previsto para o gasoduto, que permite uma escala maior que o da Bolívia. Pela proposta da PDVSA (o gás a US$ 1,40 e US$ 1,70 por milhão de BTU na origem), o custo equivalente de um barril de petróleo seria de US$ 25. Na média, o petróleo tem sido negociado no mercado internacional a US$ 55 o barril. Sauer afirma que os cálculos preliminares indicam que o projeto trará impacto de US$ 25 bilhões sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, podendo criar 520 mil empregos no caso de sua construção em cinco anos. Mas a estimativa é de que as obras demorem de sete a dez anos. O abastecimento poderia começar entre 2012 e 2015. Entusiasmado, Sauer afirma que o gasoduto, por sua escala, vai permitir a viabilização de grandes projetos estruturantes para o país. Com gás, será possível, por exemplo, industrializar e agregar valor à produção de minério de ferro, bauxita e manganês, níquel e cobre, principalmente no Pará e no Amapá, onde estão as maiores reservas da Companhia Vale do Rio Doce. O gás também permitirá estabilizar o fornecimento de energia para o Nordeste, que sofre de escassez crônica de água - o que afeta a produção de energia hidrelétrica - e gás. "A terceira coisa importante é que a região de maior desenvolvimento e impacto no Brasil tem sido a fronteira agrícola do Centro-Oeste, notadamente em Goiás, Tocantins e no cerrado baiano", diz Sauer. "E este gasoduto rasga exatamente o coração brasileiro em expansão. Toda a agroindústria está lá. E essa região, com acesso a energia combustível, vai poder agregar muito valor a sua produção agrícola, podendo exportar com valor agregado." Depois de "irrigar o norte e o nordeste" o gás vai chegar até a região de maior desenvolvimento do Brasil, o Sudeste, seguindo em direção ao centro-oeste gaúcho, paranaense e catarinense, diz.