Título: Queda de braço
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 19/05/2010, Mundo, p. 16

Um dia depois de Brasil e Turquia fecharem acordo com o Irã para a troca de urânio enriquecido, Estados Unidos levam projeto de sanções ao Conselho de Segurança. Embaixadora brasileira abandona a reunião

No dia seguinte ao anúncio do acordo conseguido pelos governos brasileiro e turco sobre a troca de urânio iraniano, Estados Unidos e Brasil ensaiavam ontem uma queda de braço no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Washington ignorou o avanço obtido e convocou uma reunião de emergência para discutir o rascunho de um projeto estabelecendo mais uma rodada de sanções ao Irã. O texto tem 10 páginas e, segundo a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, teria sido aceito pela China e pela Rússia. Ele prevê restrições até ao Banco Central do Irã.

A representante do Brasil, que ocupa uma cadeira não permanente no conselho, abandonou a reunião. ¿O Brasil não vai participar neste momento, porque sentimos que existe uma nova situação. Houve um acordo muito importante¿, disse a embaixadora Maria Luiza Ribeiro Viotti. Na mesma hora, em Brasília, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmava à imprensa que ¿não colocaram na balança as coisas que o Lula falou¿. O chanceler brasileiro negou, no entanto, que o acordo fechado pelos três países tenha sido ¿ignorado¿ pelo grupo ¿cinco mais um¿ (EUA, França, Reino Unido(1), Rússia, China e Alemanha). Sobre as sanções, o ministro afirmou que, se for apresentada uma resolução com esse teor, ¿haverá uma reação¿ do Brasil.

Amorim e o colega turco, Ahmet Davutoglu, estão redigindo uma carta para enviar aos membros do Conselho de Segurança, na qual ressaltarão que a base do acordo assinado domingo é a própria proposta apresentada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no ano passado. ¿É o acordo que eles propuseram¿. Para o chanceler, não há razões para duvidar de que o programa nuclear do Irã tenha objetivos civis, embora ¿às vezes erremos ao julgar as intenções do outro¿. ¿Até os namorados às vezes desconfiam¿, comparou.

Jogo duro O rascunho levado pelos EUA ao conselho propõe que os países-membros proíbam a abertura de novas agências ou escritórios de representação de bancos iranianos que estejam ¿vinculados a atividades de proliferação nuclear¿. Também exige vigilância sobre as transações bancárias, inclusive do Banco Central do Irã, para ¿evitar que contribuam para a proliferação de atividades nucleares sensíveis ou para o desenvolvimento de sistemas para o lançamento de armas atômicas¿.

O texto prevê inspeções em navios ¿suspeitos¿ de transportar cargas relacionadas ao programa nuclear iraniano. Porém, segundo a agência chinesa Xinhua, que cita ¿fontes diplomáticas¿, o rascunho ¿reflete uma estratégia de duas vias¿ e abre uma brecha para negociações ao ¿apoiar e encorajar os esforços diplomáticos¿.

Mais cedo, na Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, Hillary anunciara um acordo sobre as sanções com China e Rússia. Segundo a secretária, seria uma ¿resposta convincente¿ aos esforços realizados no Irã durante os últimos dias. ¿Ainda há uma série de perguntas sem resposta sobre o anúncio que veio de Teerã. (¿) O grupo cinco mais um e a União Europeia estão reunindo a comunidade internacional em nome de uma resolução com sanções fortes, que envie uma mensagem inequívoca sobre o que se espera do Irã.¿

O assessor do presidente Lula para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, disse em Madri que a decisão de insistir nas punições colocaria os EUA em má situação. ¿Se optarem pela sanção, vão se dar mal. Vão sofrer uma sanção moral e política¿, afirmou. Ele ainda sugeriu que o ¿normal e desejável¿ seria que Brasil e Turquia se reunissem com o grupo ¿cinco mais um¿.

1 - Embaixador faz ressalvas Em Brasília, o embaixador do Reino Unido, Alan Charlton, disse que o acordo entre Irã, Brasil e Turquia é ¿bem-vindo¿, mas o caminho até uma solução de fato ¿ainda é bastante longo¿. ¿O próximo passo deve ser o contato do Irã com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). E tem vários outros pontos a serem discutidos; por exemplo, nós acreditamos que o Irã continua a enriquecer urânio¿, afirmou. Charlton lembrou que a ideia da troca foi da própria AIEA, para ¿dar mais confiança para a comunidade internacional¿. Ele, no entanto, destacou o papel desempenhado pelos dois países em desenvolvimento. ¿A Turquia e o Brasil são parceiros muito importantes da Europa e dos Estados Unidos, e há um papel para cada país nessas questões¿. O embaixador ainda garantiu que o Reino Unido ¿sempre apoiou a ideia de o Brasil se tornar membro permanente do Conselho de Segurança¿, e que isso não mudará com o novo governo britânico.

O grupo `cinco mais um¿ e a União Europeia estão reunindo a comunidade internacional em nome de uma resolução com sanções fortes¿

Hillary Clinton, secretária de Estado norte-americana

O Brasil não vai participar neste momento, porque sentimos que existe uma nova situação. Houve um acordo muito importante¿

Maria Luiza Ribeiro Viotti, representante do Brasil na ONU

Teerã tem pressa

O governo do Irã declarou ontem que vai informar a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre a proposta firmada com o Brasil e a Turquia ¿por escrito, pelos canais habituais¿. O regime de Teerã, entretanto, pediu que EUA, França, Rússia e a própria AIEA, que compõem o Grupo de Viena, ¿apresentem rapidamente¿ disponibilidade para aprovar a troca do urânio iraniano via Turquia. ¿Uma vez assinado, o acordo vai preparar terreno para uma cooperação nuclear mais ampla e mudará o clima entre o Irã e as grandes potências¿, disse o porta-voz da chancelaria iraniana, Ramin Mehmanparast.

No Irã, a receptividade ao acordo também foi maior do que se esperava. O presidente do Majilis (Parlamento), Ali Larijani, que em outubro passado foi contrário à proposta do grupo de Viena, apoiou o texto anunciado na segunda-feira, que prevê a troca de 1.200kg de urânio levemente enriquecido por 120kg de combustível a 20%. ¿É necessário que as posições de todos se aproximem e que os países se comprometam em uma só voz com esse caminho justo¿, declarou Larijani, um político muito próximo ao líder religioso supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Classificado como um ¿conservador pragmático¿, ele já foi o chefe dos negociadores iranianos para a questão nuclear.

De acordo com a agência iraniana Irna, 234 dos 290 deputados do Majlis assinaram um comunicado de apoio ao acordo entre Irã, Brasil e Turquia. O gesto confirma que mesmo a oposição reformista, que contesta a legitimidade do presidente Mahmud Ahmadinejad, cerra fileiras em defesa do que considera um direito do país. ¿A atividade nuclear pacífica é considerada um patrimônio nacional, e cabe a todo o povo iraniano protegê-la¿, diz o texto. Os parlamentares apresentam o acordo de Teerã como ¿base positiva¿ para o diálogo, e acusa a ¿arrogância global¿ ¿ termo usado no Irã para referir-se às grandes potências em geral, e aos EUA em particular ¿ de tentar ¿desviar a nação iraniana de seu caminho reto¿.