Título: O mercado internacional de telecomunicações
Autor: Ricardo Camargo Mendes e Stan Braz
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2006, Opinião, p. A18

Brasil ainda não definiu sua estratégia de inserção no setor

As reformas liberalizantes nos regimes de telecomunicações dos países em desenvolvimento, ao longo da década de 1990, provocaram mudanças significativas na agenda internacional do setor. Dada a abertura dos mercados à participação de empresas de capital estrangeiro, a questão de acesso a mercados e tratamento nacional deixou de ser prioritária, prevalecendo demandas de implementação de marcos regulatórios que assegurassem condições de livre concorrência, assim como transparência e independência das agências reguladoras. Além de proteger os investimentos das empresas estrangeiras em casos de descumprimento dos marcos regulatórios, essa nova agenda tem como objetivo também criar condições favoráveis a empresas que oferecem serviços cada vez mais internacionalizados, sejam eles de transmissão de dados (incluindo, mas não limitado a voz), ou serviços com valor agregado como armazenamento de dados, conversão de sinais, processamento de dados on-line, entre outros. Quanto mais internacionalizado se torna esse mercado, mais importante se tornam as garantias de regras claras e custos baixos de interconexão e a desobstrução de canais alternativos para as chamadas e serviços internacionais. O Brasil, após a privatização e a abertura do setor à concorrência privada e ao investimento externo, deu um salto no que tange à sofisticação e ampliação dos serviços de telecomunicações. Esse salto parece apontar em dois sentidos na agenda internacional do setor: avanços nas questões regulatórias e definição de estratégias de negócios integradas. No que se refere às questões regulatórias, diversas negociações internacionais estão avançando e incorporando as questões apontadas acima. Esse movimento pode ser observado tanto na OMC, como nos acordos comerciais bilaterais e regionais mais recentes, como o dos EUA com o Chile. A posição do Brasil sobre o tema nos fóruns internacionais, no entanto, tem se restringido à consolidação de alguns compromissos de acesso a mercados no âmbito do acordo de serviços da OMC, muito aquém da abertura de mercado prevista pela legislação de investimentos estrangeiros. Ficam de fora também todos os compromissos regulatórios, cobertos pelo Reference Paper, do qual 77 países são signatários integrais. No âmbito regional, apesar do Protocolo de Montevidéu avançar nos compromissos de acesso a mercados, não há nenhuma iniciativa no sentido de convergir os marcos regulatórios entre os países do Mercosul. Os demais acordos comerciais do Brasil com os países da América do Sul sequer englobam a questão de acesso a mercados para serviços de telecomunicações. A forte presença de empresas estrangeiras com operações em diversos países da região justifica a padronização de marcos regulatórios para o setor, a fim de reduzir custos operacionais que possam refletir em tarifas mais baratas para consumidores.

Na era da convergência digital, é preciso pensar modelos que fomentem a exportação brasileira de serviços de tecnologia

Outro ponto vital é o da convergência digital, ou seja, a crescente fusão dos serviços de telecomunicações com serviços de TI, Internet, rádio e TV, entre outros, e que deve mudar os rumos dessas discussões nos próximos anos. Por exemplo, as chamadas de longa distância via Internet, ou Voice Over Internet Protocol (VoIP), vêm crescendo a uma média anual de 70% e devem suprimir completamente os tradicionais canais de transporte para chamadas de longa distância e internacionais. Até o momento, as agências reguladoras de telecomunicações dos EUA, União Européia, Brasil e outros países optaram por classificar as ligações via Internet como serviços de TI, o que os deixa fora do escopo de atuação desses órgãos. Presume-se, portanto, que os compromissos de acesso a mercados, tratamento nacional e regulatórios em telecomunicações assumidos tanto no âmbito da OMC como em outros acordos comerciais não se aplicam ao VoIP. A classificação da telefonia por Internet como um serviço de tecnologia da informação pode gerar importantes oportunidades de negócios para o país. Tendo-se em conta que o setor de tecnologia da informação integra a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior do governo, os serviços de VoIP poderiam inclusive ser incorporados às políticas que vêm sendo desenvolvidas para atingir a meta de exportar R$ 2 bilhões em serviços de TI até 2007. No que tange à definição de estratégias de negócios integradas, ainda é bastante tímida a agenda do Brasil, não obstante o fato de parte importante de nossa rede já estar conectada regionalmente e algumas das principais empresas que atuam nesse setor no país estarem presentes também em vários países da região. Na medida em que as empresas que operam regionalmente passam a adotar padrões e processos de negócios comuns, surgem oportunidades para toda a cadeia de telecomunicações no Brasil. Dada a dimensão do mercado brasileiro e a razoável disponibilidade de empresas e serviços vinculados a essa cadeia de valor, tende a ser um movimento natural que as operadoras com operações regionais encontrem no país soluções para os seus negócios. Essas soluções, por sua vez, englobam desde a fabricação de equipamentos, passando pelo desenvolvimento de softwares e de estratégias de propaganda e marketing, até assessorias jurídicas, consultorias e outros serviços especializados. Na década de 1990 foram feitas importantes reformas no regime de telecomunicações do Brasil para acompanhar a onda de liberalização/ privatização que, com uma década de atraso em relação aos países desenvolvidos, atingiu os países em desenvolvimento. Essas reformas foram fundamentais para a dinamização do setor, mas foram insuficientes para definir sua estratégia de inserção internacional, incluindo a prestação de serviços sofisticados de TI. Na era da convergência digital, em que o Brasil almeja ocupar espaço no mercado internacional em setores chave da economia, não é suficiente seguir adotando a posteriori regulamentações mais favoráveis à inovação e soluções alternativas de telecomunicações. É preciso que sejam pensados modelos que fomentem a exportação de serviços de tecnologia, favoreçam a definição do Brasil como um hub de alguns desses serviços, ao mesmo tempo em que reduzam custos operacionais dos serviços de telefonia para empresas de diversos setores que tenham atuação internacional.