Título: O progresso da teoria econômica
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2006, Brasil, p. A2

Nunca a corporação dos economistas esteve tão convicta que é portadora de uma ciência exata capaz de aconselhar os governos, os empresários e os trabalhadores como devem comportar-se para obter, respectivamente, a "boa governança" estatal, empresarial e o máximo de bem estar da sociedade. Nunca, também, houve tanta dúvida externa (e interna!) sobre essa possibilidade que afinal é o próprio objetivo da Economia Política desde a sua origem e que foi assim resumido por Adam Smith no final do século XVIII: "A Economia Política considerada como um ramo da ciência dos estadistas e legisladores, propõe-se dois objetivos: 1º ) proporcionar ao povo um bom rendimento e uma abundante subsistência ou, melhor ainda, dar-lhe as condições de que ele mesmo o faça; e 2º ) proporcionar ao Estado recursos para que possa cobrir suas necessidades e realizar obras públicas indispensáveis. Em poucas palavras ela se propõe enriquecer, ao mesmo tempo, o povo e o soberano." (tradução livre, "Riqueza das Nações", introdução do livro IV, 1776). Antes dessa definição e depois dela, centenas de outras foram propostas mas nenhuma com a mesma felicidade para captar o essencial para o desenvolvimento econômico: 1) a atitude amigável do poder público (a garantia da propriedade e a legitimidade da apropriação do resultado por quem o produziu); 2) a ênfase que a subsistência seja obtida pelo próprio agente (e não pelo assistencialismo estatal); e 3) o Estado deve ter os recursos para produzir os bens públicos que só ele pode produzir: segurança interna e externa, razoável prestação de Justiça e obras cuja taxa de retorno social é maior que a privada. Smith sugeriu que o conjunto dos agentes econômicos atendendo ao seu próprio interesse e coordenados pelo mercado, levaria a uma espécie de "ordem natural" com um sistema de preços que harmonizaria o interesse de todos. Essa hipótese extremamente fecunda deu origem ao famoso "homo economicus", que contrabandeou para a Economia parte dos teoremas da Mecânica Racional. Alguns ainda permaneceram disfarçados em parte da teoria neoclássica moderna. Já em 1900 o "Nouveau Dictionnaire d'Économie Politique" de Say e Chailley consignava (pág. 768) : "Da mesma forma que a geometria elementar, a economia política também tem seus axiomas: o homem procura obter o máximo de riqueza com o menor esforço". Disso, ao agente ("homo economicus") imortal, amoral, plenamente racional com preferências bem organizadas em busca permanente do extremo (máximo ou mínimo), com informação perfeita e conhecimento divino do cálculo diferencial que cultuamos hoje, foi um passo. À medida que os economistas aprenderam mais matemática foi possível extrair daquela racionalidade abstrata proposições cada vez mais interessantes, mas de utilidade duvidosa para atingir os objetivos descritos por Adam Smith. O fato interessante é que com seu poderoso axioma "cada um procura maximizar suas vantagens e minimizar os seus custos" - do qual nem Marx livrou-se completamente - a Economia abandonou a Política e tornou-se apenas "Economics" ou na forma mais pomposa, "Teoria Econômica". Tornou-se uma ciência imperialista e amoral e foi invadindo com seu método as outras ciências sociais. Impôs já no início do século XIX, uma Psicologia sem conteúdo empírico. Invadiu a Sociologia, a História, a Geografia, a Antropologia e a Arqueologia e, com a fecundidade do axioma que facilitava a sua formalização matemática, chegou a tornar-se a "rainha das ciências sociais". A verdade, entretanto, é que ela, numa larga medida, transformou-se num ramo bastardo da Matemática Aplicada. A vingança das "ciências escravizadas" está acontecendo. A pouco e pouco elas foram corroendo a coerência e a existência empírica do poderoso axioma. Hoje ele está sob o ataque empírico cerrado de um novo ramo da ciência que estuda o funcionamento do cérebro, chamado de Ciências Cognitivas, e que, por falta de melhor nome, os economistas estão chamando de "Economia Cognitiva".

Emoções guiam as decisões econômicas

Uma das vantagens das novas pesquisas é que o analista pode determinar qual é a "zona do cérebro" (constatadas eletronicamente por um equipamento chamado IRM - "Imagem por Ressonância Magnética") que responde a cada estímulo particular: racional ou emocional. Há duas conclusões preliminares mas que vão se confirmando a cada nova pesquisa: 1º ) a análise das decisões em matéria econômica está mais freqüentemente relacionada às zonas ligadas às emoções do que àquelas supostamente ligadas à racionalidade: e 2º ) há uma rejeição completa da uniformidade de comportamento do suposto "homo economicus". Isso põe em sério risco a teoria neoclássica e suas duas grandes simplificações: o agente representativo imortal, que maximiza num intervalo infinito (e ilide o problema da agregação) e os modelos de "expectativa racional". Em compensação, parecem confirmar a intuição do velho Keynes para quem o "espírito animal" dos empresários é mais movido pela emoção (o investimento depende, fundamentalmente, da "expectativa do crescimento") do que pelo cálculo racional. A teoria econômica avançou: de um agente egoísta, onisciente e amoral (o axioma original) para um agente mais frágil que modera seu egoísmo com algum altruísmo e moralidade. E reconhece a precariedade do seu conhecimento diante de um futuro incerto. É cada vez mais evidente a necessidade de uma síntese neoclássica keynesiana para cumprir o ideal de Adam Smith.