Título: Amorim descarta mudança e diz que presidente fez desabafo
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2006, Brasil, p. A2

A proposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de mudar o sistema de decisões da Organização Mundial do Comércio (OMC), não passou de desabafo, acredita o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O ministro também foi surpreendido com a declaração de Lula, feita ao fim da visita à África, em que ele defendeu a substituição do atual processo de decisões na OMC, feito por consenso dos 150 países-membros, pelo sistema de votação. "Eu não estava lá, mas entendo que o presidente estava expressando frustração com esse processo decisório, em que um ou dois países podem impedir que se cheguem a conclusões que beneficiam a todos", disse Amorim, ontem. O ministro deixou claro que não está nos planos da diplomacia brasileira iniciar campanha para mudar o sistema da OMC. A OMC só firma acordos sobre as regras comerciais internacionais quando há consenso entre seus integrantes. Até mesmo o cumprimento das regras existentes é garantido por mecanismos que dependem da boa vontade dos governos: caso a OMC considere que algum país viola os acordos da organização, o máximo que poderá fazer é autorizar os outros sócios a criarem barreiras aos produtos do país em situação irregular. Essa característica dificulta a ação da OMC sobre países de grande peso econômico e dá a qualquer governo sócio, teoricamente, o poder de paralisar as decisões. Na prática, países menores têm poucas condições de brecar alguma iniciativa apoiada pelos governos mais ativos nas negociações comerciais. Em entrevista, ao terminar a visita à África, Lula afirmou que a política de consenso, na OMC "atrapalha" as decisões, e concluiu: "Estou propondo votar." A proposta é considerada inviável pelos diplomatas e especialistas. O Itamaraty tem apostado em outra idéia, a realização de uma cúpula de chefes de Estado. Amorim disse estar otimista com as conversas entre Lula e o primeiro-ministro da Inglaterra, Tony Blair, apesar da recusa de Blair em assumir a frente da iniciativa em favor do encontro. "Blair mostrou-se engajado", disse Amorim. Talvez haja avanços nas negociações, nos próximos dias, que até dispensem a necessidade da reunião de cúpula, comentou o ministro.