Título: Voto nas decisões da OMC poderia prejudicar negociação agrícola
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2006, Brasil, p. A2

Decidir por votação na Organização Mundial do Comércio (OMC), como foi sugerido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no domingo, após a Cúpula da Governança Progressista, na África do Sul, é uma possibilidade que já está prevista nas regras da entidade. Nunca foi usada porque os países parecem desconfiar mais de perdas do que de ganhos com essa prática. Se aplicada na Rodada Doha, como quer Lula, o mais provável é que o Brasil seria prejudicado na negociação agrícola, a de maior interesse do país. Basta ver que o G-90, o grupo que reúne tanto Índia, China e Indonésia, como nações pequenas da África, Ásia e Caribe, resiste à liberalização agrícola. O grupo já conseguiu arrancar mecanismos para frear importações agrícolas, que foram limitados justamente na discussão por consenso. Com votação, pelo número de membros, o G-90 poderia frear ainda mais a abertura agrícola. A possibilidade de votação na OMC está prevista no artigo 9 do acordo constitutivo da entidade, assinado em Marrakesh. O texto diz que a entidade continuará a prática de tomada de decisão por consenso, como ocorria no Gatt desde 1947. Mas afirma também que se uma decisão não puder ser tomada por consenso (quando um membro não estiver de acordo), o assunto será definido por votação nas reuniões ministeriais, que ocorrem a cada dois anos, e no conselho geral. Cada membro da OMC terá um voto e a decisão seria tomada por voto de maioria. Além da resistência da maior potência, os EUA, e de países menores, um importante participante da Rodada Doha vê outro perigo com a votação: a compra de voto. "E se a UE estiver interessada em aprovar uma posição e oferecer vantagens aos países menores para apóia-la?", pergunta. Os europeus têm sido acusados de cooptar de maneiras variadas os países mais pobres para suas posições na agricultura. Mas como a decisão é por consenso, esse apoio se dilui. O Brasil teve uma experiência ruim com algo próximo de uma votação na OMC. Foi durante a escolha do diretor-geral, em meados do ano passado. O candidato brasileiro, o embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa, era apoiado por China e Índia, mas esses países contaram tanto quanto Burkina Faso ou Guatemala. Isso porque as regras definidas previamente, com apoio do Brasil, quando ainda não pensava em ter candidato, estabeleciam que se deveria dar peso realmente ao número de votos, ao se fazer avaliação de cada candidato. As declarações de Lula revelam impaciência com o processo de decisões na OMC. Nessa linha, um comitê de altas personalidades, incluindo o ex-ministro Celso Lafer, sugeriu a criação de um "conselho diretor", reunindo alguns países. Mas isso também já existe na prática: é o chamado "green room", reuniões mais fechadas, só entre alguns países de mais peso. Ainda na África do Sul, Lula teria declarado, segundo o jornal "Financial Times", que o Brasil está preparado para fazer "qualquer" concessão necessária para que a Rodada Doha avance. Na verdade, dizem participantes da reunião, o presidente afirmou que o Brasil estava pronto a fazer concessões apoiadas na proporcionalidade, ou seja, menos do que os industrializados. Está prevista reunião de ministros do G-6 (Brasil, EUA, UE, Índia, Austrália e Japão) nos dias 10 e 11 de março, em Londres, para tentar salvar a Rodada Doha.