Título: A queda do risco-Brasil e a taxa interna de juros
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2006, Opinião, p. A13

Todos os indicadores de desempenho externo da economia melhoraram excepcionalmente e, desde a crise financeira de 2002, o risco-Brasil vem sofrendo queda, atingindo 226 pontos, nível mais baixo na história recente da economia brasileira. Com a queda do risco-Brasil no exterior, a sabedoria convencional diz que a taxa real de juros interna de "longo prazo" deveria sofrer redução, já que esta é determinada pelo mercado. Mas isto não tem acontecido. À primeira vista a resposta parece óbvia: o Banco Central aumentou a taxa de juros. Mas esta resposta simplista mais mistifica do que esclarece, e esconde algumas anomalias do nosso sistema monetário e da política monetária no Brasil que vou procurar esclarecer neste artigo. Vejamos inicialmente o que nos diz a sabedoria convencional. Havendo livre mobilidade de capital, a taxa interna de juros deveria tender a ser igual à taxa de juros internacional sem risco (título público americano) mais o risco-país, mais a expectativa de desvalorização cambial, pois, havendo diferencial, esta geraria um ganho de arbitragem. Hoje não há expectativa de desvalorização cambial, a taxa de juros nominal de um título do Tesouro americano T-Note de dois anos está cotada em 4,68% e a expectativa de inflação para os próximos anos deve variar entre 2% e 3% ao ano, de forma que a taxa real de juros está em torno de 2% ao ano. A taxa de juros interna nominal está hoje em torno de 15% e se considerarmos uma expectativa de inflação entre 4,5% a 5% ao ano, a taxa real esperada está em torno de 10% ao ano. Neste caso, numa conta grosseira, o especulador toma recursos no exterior à taxa real de 2% a 3% ao ano e aplicaria no Brasil à taxa real de juros de 10% ao ano; deduzindo o risco-Brasil de 226 pontos, o diferencial seria de 7,7%; mesmo deduzindo os custos de transações e outros custos, o ganho de arbitragem seria muito grande. De forma que os especuladores atuariam fazendo com que a taxa de juros interna de mercado tendesse à taxa internacional mais o risco-Brasil. A questão é saber por que mesmo com a queda do risco-Brasil a taxa de juros livremente determinada pelo mercado não tem caído? De fato, tomando o período desde a implantação do regime de taxa de câmbio flutuante, o risco-Brasil permaneceu elevado, com piso em torno de 700 pontos até 2004; desde então, tem sofrido queda, batendo em 226 pontos no último dia 10. Portanto, uma queda de quase 500 pontos em relação ao piso anterior, enquanto as taxas nominais de juros internas continuam sistematicamente acima de 15% ao ano. É importante salientar que a taxa de juros interna a que estamos nos referindo é a taxa "livremente determinada" pelo mercado e não a taxa Selic, fixada pelo Banco Central. Num regime monetário normal, o Banco Central fixa a taxa de juros de curtíssimo prazo no mercado de reservas bancárias e, através do controle destas, afeta diretamente a oferta de moeda e indiretamente toda a estrutura da taxa de juros. A taxa de juros do Banco Central, por definição, não envolve riscos, pois ela é única entidade líquida decorrente do seu monopólio do poder de emissão de moeda. As demais taxas de juros refletem as condições dos demais mercados de ativos financeiros específicos, públicos e privados, com diferentes riscos e maturidades e que formam a estrutura de taxa de juros. Esta estrutura de taxas de juros têm inclinação positiva, no sentido de que quanto mais longa a maturidade, maior a taxa de juros. Somente em situações excepcionais, nas quais há expectativa de que a economia vá para uma depressão, ou previsão de queda brusca na taxa de inflação, a inclinação é negativa.

A taxa Selic tabela a taxa de juros do mercado de dívida pública, não permitindo que as condições deste mercado reflitam nas suas taxas de juros

Vejamos o que acontece no Brasil. A primeira anomalia é a utilização da taxa Selic, determinada pelo Banco Central, instrumento operacional para fazer política monetária no mercado aberto e que é também utilizada para remunerar diariamente os títulos públicos pós-fixados LFTs, de "longo prazo". A sabedoria convencional nos diz que é a taxa de juros "livremente determinada" pelo mercado de títulos de longo prazo que contamina a taxa de curtíssimo prazo do Banco Central, por causa da utilização da taxa Selic nos dois mercados. Mas neste caso, a taxa de juros "livremente determinada" pelo mercado deveria ter caído com a queda no risco-Brasil. Um destes mercados de títulos de longo prazo é o da dívida pública, no qual se determina taxa de juros de longo prazo, refletindo a maturidade e a percepção das condições de solvência e credibilidade do governo, isto é, o risco-Brasil, além da taxa internacional de juros sem risco. Desta forma, como há uma percepção de queda do risco-Brasil e não há expectativa de desvalorização cambial, a taxa interna de juros deveria ter caído. Mas isto não aconteceu no Brasil. A explicação está no comportamento empiricamente verificado de que a estrutura de juros no Brasil vem apresentando sistematicamente uma inclinação anômala e invertida, isto é, as taxa de juros de curtíssimo prazo determinadas pelo Banco Central são, em regra, maiores do que as de longo prazo, determinada "livremente pelo mercado" (para constatação empírica, veja, por exemplo, o gráfico publicado diariamente na página C2 pelo jornal Valor). Em outras palavras, há algo de errado no patamar da taxa de juros Selic fixada pelo Banco Central. Com a utilização da taxa Selic como instrumento operacional da política monetária e a remuneração do principal título público de longo prazo - as LFTs - com a taxa diária Selic, "fundiu-se" o mercado de dívida pública com o mercado de reservas bancárias. A taxa de juros determinada pelo Banco Central tabela a taxa de juros do mercado de dívida pública, não permitindo que as condições deste mercado reflitam nas suas taxas de juros. É por isso que a queda do risco-Brasil não se reflete nas taxas supostamente livres do longo prazo e a estrutura de juros tem inclinação invertida no Brasil. A rigor, o Banco Central é que não permite que a queda no risco-Brasil seja absorvida pela taxas de juros de longo prazo.