Título: As inócuas reformas trabalhistas
Autor: Wolfgang Munchau
Fonte: Valor Econômico, 14/02/2006, Opinião, p. A13

Diversas políticas reformistas têm se revelado um desperdício de tempo na Europa Na semana passada, jovens realizaram manifestações de protesto em diversas cidades francesas contra um contrato de trabalho que estende para 24 meses o período de experiência no emprego para empregados jovens. É fácil desqualificar esses manifestantes anti-reformas como sendo analfabetos em economia. Eles, provavelmente, o são. Mas eles têm um argumento válido. Reformas em mercados de trabalho são impopulares junto aos eleitores. Isso já sabemos. Mas há crescente evidência, baseada em pesquisas acadêmicas, de que muitas das políticas que os governos da Europa Continental venderam sob o rótulo de reforma revelaram-se um desperdício de tempo. Na França, muitos anos de políticas governamentais incoerentes resultaram em um mercado de trabalho em dois níveis: um com empregos seguros e o outro com bolsões de grande desemprego, particularmente entre os jovens. Esse problema tem sido alvo de uma crítica constante por parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) durante muitos anos. Dennis Snower, presidente do Instituto Kiel para a Economia Mundial (IKEM) e conhecidíssimo especialista em economia do trabalho, diz que o novo contrato agravará o problema. Para que tal esquema funcione bem, diz ele, o contrato deveria ter abrangência genérica. Em outras palavras, não deveria haver discriminação etária. Quais são, então, as conseqüências econômicas do "contrato para jovens" de Dominique de Villepin? O primeiro-ministro espera que ele reduza o desemprego entre os jovens porque estende a flexibilidade trabalhista. Mas o efeito provavelmente não é muito grande. As empresas francesas já podem contratar pessoal por um período fixo, renovável por uma vez, de até 18 meses. Há também um contrato especial para pequenas empresas. A medida visando os jovens aumenta o confuso elenco de contratos trabalhistas. Além disso, não ataca a mais abrangente causa reconhecida do elevado desemprego juvenil no país: gente demais ganhando salário mínimo e esquemas de treinamento inadequados. Na Alemanha, as reformas no mercado de trabalho não produziram melhor resultado. Um recente relatório encomendado pelo Ministério do Trabalho sobre as reformas no emprego no início do mandato de Gerhard Schröder, o ex-primeiro-ministro alemão - denominadas Hartz I, II e III - concluiu que a maioria das medidas específicas não produziu qualquer impacto. Igualmente crítico é o veredicto do IKEM sobre o Hartz IV, carro-chefe do programa de Schröder para o mercado de trabalho. A idéia por trás do Hartz IV era de fundir a seguridade social e o seguro por desemprego de longo prazo num único sistema. Mas a pesquisa do IKEM demonstrou que o Hartz IV não cria estímulos para que os desempregados que buscam trabalho há muito tempo. Snower argumenta que o Hartz IV produz uma contribuição negativa líquida à reforma no mercado de trabalho: não cria efeitos econômicos positivos e deu má fama às reformas.

Sem estratégia perceptível, por que os eleitores aceitariam reformas que exigem sacrifícios no curto prazo e só benefícios nebulosos num futuro distante?

Na prática, há três maneiras pelas quais as reformas econômicas podem dar errado. A primeira é concepção inadequada. Os contratos trabalhistas de de Villepin se encaixam nessa categoria. A segunda pode ser denominada "morte no Parlamento". Reformas freqüentemente surgem de boas intenções. Mas, ao tramitar por comissões parlamentares, elas vão perdendo sua finalidade original. Isso aconteceu no caso da diretiva visando estender o programa do mercado único da União Européia (UE) ao setor de serviços. O Parlamento europeu aplicou-se a arrancar dente após dente - e setor após setor - dessa legislação. Com a aproximação da votação final, nesta semana, alguns importantes parlamentares da UE questionam se a diretiva fará alguma diferença prática. A terceira e, possivelmente, a mais freqüente razão para fracassos de reformas econômicas é sua má implementação. Em entrevista ao "Financial Times" em 2004, Schröder confidenciou seus temores de que o Hartz IV seria desfigurado na fase de implementação. Isso é exatamente o que ocorreu. O governo errou na estimativa do número de pessoas que se transferiria do elenco que subsiste da seguridade social de volta para o rol dos desempregados. O repentino salto no desemprego resultante contribuiu fortemente para o colapso político de Schröder no ano passado. Todas essas três rotas que levam ao fracasso refletem uma ausência total de rumo estratégico. Persistentemente, os governos não explicam ao eleitorado a finalidade estratégica por trás de cada uma das reformas. Na ausência de uma estratégia perceptível, por que deveriam os eleitores aceitar reformas que produzem determinados sacrifícios no curto prazo e apenas benefícios nebulosos em algum distante momento futuro? Um editor alemão de livros de negócios relatou-me, recentemente, não conseguir mais vender livros com a palavra "Reforma" no título. Até o ano passado, livros sobre reforma econômica encabeçavam as listas dos mais vendidos. Vários anos de reformas mal feitas produziram uma reação não apenas dos público leitor, mas também por parte do eleitorado. A verdade é que os governos francês e alemão meteram os pés pelas mãos ao implementar seus programas de reformas trabalhistas. Se forem sérios em relação à redução do desemprego de longo prazo, o rumo a tomar não é o do Hartz V ou mais um dos contratos de de Villepin. Eles terão de recomeçar da estaca zero e implantar reformas que resistam a um teste simples - ou seja, de criar estímulo para que pessoas há muito tempo desempregadas voltem a trabalhar.