Título: Briga dos contratos de soja verde começa a chegar ao STJ
Autor: Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2006, Agronegócios, p. B10

A disputa na Justiça que desde 2004 envolve contratos de venda antecipada de soja firmados entre produtores e indústrias processadoras do grão - também conhecidos como "CPRs de gaveta" ou "contratos de soja verde" - ainda não encontrou um ponto final. Tais contratos, que no passado recente chegaram a financiar 80% da safra de soja do Centro-Oeste do país - e que foram vitais para o avanço do grão na região - começaram a ser contestados por produtores depois da explosão das cotações internacionais da commodity, em abril de 2004. Por se sentirem lesados, agricultores principalmente do sul de Goiás começaram a procurar a Justiça em busca de revisões dos valores contratuais firmados em 2003. Com isso, centenas de ações resolutórias de contrato passaram a circula na Justiça, e agora elas começam a chegar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda sem tendência definida. Os advogados das indústrias têm apenas uma certeza: é da posição final do Poder Judiciário que dependerá o futuro deste instrumento de financiamento, que hoje, após a enxurrada de processos tentando anulá-los, não deve financiar mais de 20% da produção nacional, segundo executivos. A advogada Beatriz Kestener, sócia do escritório Mattos, Muriel e Kestener Advogados, defende atualmente clientes do lado da indústria em 114 ações pelo país - no Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e São Paulo -, muitas ainda em tramitação na primeira instância. Segundo ela, o placar de ações do escritório ganhas pelos produtores e pelas indústrias varia. No Paraná, são 19 ações em andamento, duas ganhas parcialmente pela indústria e oito ganhas pelos produtores em uma mesma comarca da Justiça do Estado. Já no Mato Grosso, quatro causas foram ganhas pelas tradings. Em Minas, uma ação foi ganha pela indústria e duas pelos produtores na primeira instância, enquanto no Tribunal de Justiça do Estado (TJMG) aponta uma vitória para cada lado. Em Goiás, o quadro é mais desequilibrado: das 63 ações, 19 foram ganhas pela indústria e 12 perdidas em primeira instância. No TJ do Estado, os produtores conseguiram anular os contratos em dez casos da advogada, enquanto a indústria foi vitoriosa em uma ação. E em São Paulo, as cinco causas que correm em primeira instância foram ganhas pelos produtores. O quadro das ações do escritório ilustra a atual falta de unanimidade do Poder Judiciário a respeito. Em sua defesa, os produtores se baseiam na tese da onerosidade excessiva, prevista no artigo 478 do Código Civil, que diz que "se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato". Beatriz, no entanto, rejeita o argumento por entender que não houve a vantagem extrema para a indústria. Em uma decisão de dezembro do STJ sobre um recurso especial, o tribunal rejeitou essa tese entendendo que o produtor sabia exatamente como era o seu negócio, que não se alterou em nada só porque o preço mudou no mercado internacional. No entanto, a CPR, entendida como mecanismo de fomento da agricultura, deve ter adiantamento de recursos econômicos, o que não houve nos contratos que estão sendo questionados. Assim, isso passou a ser um dos argumentos dos produtores. No julgamento do STJ, a corte rejeitou a idéia da onerosidade do contrato, mas ele foi anulado por este motivo. A advogada rebate a decisão com o argumento de que a fixação de preço é um fomento tão evidente quanto o adiantamento dos recursos, pois permite ao produtor se planejar. Ela lembra que a Lei nº 8.929, que criou as CPRs, não obriga o adiantamento de recursos. Por conta da desconfiança gerada em torno da ferramenta de financiamento, em algumas regiões o produtor agora tem de se sujeitar à venda durante a safra, segundo Hélio Alberto Bellintani Júnior, membro do comitê jurídico da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove). Para ele, isso tem ajudado a manter os preços baixos da soja internamente. É difícil quantificar o total da safra brasileira de soja que chegou a utilizar os contratos de soja verde - a indústria e as tradings não abrem esses números por questões estratégicas -, mas Bellintani estima que as CPRs tenham caído a um quarto do que já foram: se representavam 80%, hoje o percentual teria caído para 20% da produção. Sem o instrumento, resta aos produtores o Banco do Brasil e as carteiras agrícolas dos bancos privados. "O contrato é a alma desse negócio. Se você desrespeita esse ponto, quebra toda a segurança que pode haver na cadeia de produção de soja", diz Sérgio Mendes, diretor geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Pouco conhecidas no varejo do mercado financeiro, as CPRs foram alvo de polêmica e de uma nova regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também em 2004, pois recheavam as carteiras de fundos de investimento do Banco Santos e eram desconhecidas.