Título: Brasil precisa definir estratégia nacional e de uma reforma política
Autor: Cynthia Malta
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Brasil, p. A-2

Ao Brasil, que ainda busca o desenvolvimento econômico com igualdade social, falta construir "um grande consenso nacional para definir uma estratégia sustentável que dure além de um período presidencial", diz Felipe González, que comandou a Espanha, no posto de primeiro-ministro, por 14 anos. Concorda com ele o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que critica a falta de vontade do país de integrar-se e defende a necessidade de "uma reforma política pois o sistema está defasado". Os dois ex-chefes de Estado encontraram-se na manhã de sábado, num seminário fechado realizado pelo Instituto Fernando Braudel em sua agradável sede, uma casa rosada rodeada de verde no bairro de Higienópolis, no centro de São Paulo. O tema proposto era educação, mas a discussão, a que o Valor teve acesso, foi bem mais ampla para deleite da platéia de professores, diplomatas e executivos de empresas. González propõe "um consenso de três ou quatro objetivos, que possam ter o apoio de todos". Observa que em qualquer país há tantas coisas a serem discutidas que eleger poucos pontos de consenso traz enorme vantagem. "É isso que faz um país tornar-se forte". O Brasil deveria começar por onde? "Pela educação. Se não há capital humano no qual depositar as riquezas naturais, não há possibilidade de desenvolvimento, não há futuro", diz González. Mas hoje não basta mais garantir educação básica para todas as crianças, como fez o Brasil, ou melhorar o acesso às universidades, como fez a Espanha. É necessário dar um salto - tanto na Europa como na América Latina - e formar pessoas com capacidade empreendedora e não apenas mais "demandantes de empregos junto ao Estado". Foto: Magdalena Gutierrez/Valor

Felipe González diz que Brasil deve investir mais em educação e infra-estrutura O segundo ponto é, em sua visão, fortalecer a infra-estrutura física do país - portos, aeroportos, estradas, telecomunicação, energia e saneamento. González lembrou que é um "político raro de esquerda", pragmático, interessado em atingir os objetivos e "absolutamente versátil nos instrumentos" para atingir suas metas. De fato, em seu governo deslanchou um enorme programa de privatização e de fusão de estatais, que envolveu mais de 200 empresas. E direcionou o Estado para concentrar-se em educação e saúde, com um amplo sistema de previdência social. Agregou a isso a decisão firme de integrar a Espanha à então Comunidade Européia (atual União Européia), reformou, de maneira discreta, o Exército e combateu a inflação. Também é até hoje reconhecido por ter feito um pacto entre governo, trabalhadores e empresários, o que permitiu implementar seu plano para o país. "Quando se tem que ter um superávit primário de 4,5% do PIB para pagar a dívida", continuou González referindo-se ao Brasil, "e não há margem de manobra para se fazer um grande esforço em outros setores, há que se ter versatilidade de buscar instrumentos mais flexíveis, buscando protagonismo de outros agentes da sociedade". Para isso, "claro, que é preciso convencer os empresários." O Estado, em sua visão, "está se retirando permanentemente da geração direta do PIB (produto interno bruto). Esta geração de riqueza esta nas mãos dos agentes privados, cada vez mais." Com isso, diz, vem a responsabilidade dos empresários de serem eficientes e fazerem o desenvolvimento econômico com distribuição de renda. "Nenhum país conseguiu passar de emergente a desenvolvido sem ter feito o crescimento econômico e a redistribuição de renda", afirma González. Fernando Henrique concordou com o colega espanhol sobre "a falta de um acordo nacional sobre questões elementares" e vê duas tendências no Brasil. "Uma é a expectativa do milagre. Há tanta desigualdade, que as pessoas ficam aflitas e querem logo uma solução". Mas, a manutenção do "rumo econômico" mostra decisão acertada por parte do atual governo. "Eu sei quanto é difícil, mas era o caminho mais adequado para evitar que houvesse uma desordem muito grande no nosso sistema econômico-financeiro". A outra tendência é "uma certa vocação para a solidão. Somos grandes. Ficamos sem saber se vale a pena ou não entrar no mundo". Para Fernando Henrique, a indústria brasileira não quer fazer parte da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). "Nós não queremos acordo com ninguém. Se possível, nem com o Mercosul". González diz que a interdependência no mundo hoje não permite sequer aos Estados Unidos, a maior economia do planeta, governar de forma isolada. Para avançar, diz Fernando Henrique, é preciso fazer uma reforma política. "O partido do presidente não faz a maioria. Faz 20% (dos votos no Congresso). Ele tem que fazer alianças." Se a aliança feita pelo partido vencedor é feita depois das eleições, "é um arranjo para poder governar e você começa a ter dificuldade de implementar o seu projeto."