Título: Ajuste se mantém apesar da valorização cambial
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 22/11/2004, Brasil, p. A-3
O dólar voltou a recuar com força nas últimas semanas, fechando sexta-feira em R$ 2,786. O movimento da moeda, porém, não deve provocar uma piora relevante nas contas externas, segundo vários analistas. A apreciação do real tem sido compensada em parte pela desvalorização do dólar em relação ao euro e a outras moedas, o que mantém a taxa real (descontada a inflação) num nível ainda competitivo. Já o impacto do dólar barato sobre a inflação deve ser mais modesto desta vez, pois as atuais pressões inflacionárias se devem ao aumento dos preços do petróleo e das commodities metálicas, e não vêm do câmbio. O economista-chefe do HSBC, Alexandre Bassoli, avalia que o nível de câmbio real corrente não justifica temores de uma deterioração acentuada do ajuste externo ocorrido nos últimos anos. Ele lembra que, desde 2002, as flutuações do real ante o dólar deram-se simultaneamente a movimentos fortes da moeda americana em relação a outras divisas. O euro, por exemplo, se valorizou 50% ante o dólar de março de 2002 para cá. Isso contribui de forma indireta para manter a taxa real brasileira num nível relativamente depreciado. Um estudo feito por Bassoli mostra que, se o dólar tivesse permanecido constante diante do euro, iene, yuan chinês, peso argentino e peso mexicano desde março de 2002, seria necessária uma taxa nominal de R$ 3,40 para assegurar o mesmo nível de câmbio real que vigora hoje. Ele se sente confortável para projetar um saldo comercial de US$ 27,5 bilhões em 2005, um número robusto, embora menor que os US$ 33 bilhões estimados para este ano. O analista Antônio Madeira, da MCM Consultores, também faz uma avaliação parecida com a de Bassoli. Segundo ele, "apesar do fortalecimento vigoroso" do real em relação ao dólar nos últimos meses, a apreciação em relação a uma cesta de 17 moedas é bem menos expressiva. "O impacto sobre as contas externas será menor do que aparentemente supõem os mais céticos." A evolução das exportações brasileiras por mercado mostra como o país ganhou competitividade em relação à Europa. De janeiro a outubro, as vendas para a União Européia (UE) aumentaram 31% em relação ao mesmo período de 2003. Para os EUA, cresceram 18%. Os analistas consideram aindaque o real poderá se depreciar um pouco até o fim do ano, como nota o professor Caio Prates, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para ele, como é mais pesado o volume de vencimentos da dívida externa do setor privado em novembro e dezembro -US$ 7,5 bilhões entre principal e juros, o dobro dos dois meses anteriores -, é possível que o câmbio se desvalorize. Prates entende que um câmbio entre R$ 2,90 e R$ 3 seria melhor para a balança comercial, mas considera que o movimento do dólar em relação a outras moedas amortece parte da valorização do real. O fortalecimento da moeda, porém, é visto com preocupação por analistas como o ex-secretário da Fazenda paulista Yoshiaki Nakano. Para ele, o problema não é o saldo comercial de 2005. O ponto mais importante, de acordo com Nakano, é que o câmbio valorizado pode afetar negativamente decisões de investimento dos exportadores. Já o impacto da queda do dólar sobre a inflação não é dos maiores. Para o economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita, a valorização do real não se traduz em inflação mais baixa no curto prazo porque as atuais pressões sobre os preços não vieram do câmbio, mas sim da alta das commodities metálicas e do petróleo. Mas, com commodities nas alturas, o cenário de inflação seria pior com o dólar acima de R$ 3, afirma ele. O impacto da valorização do real sobre a dívida pública é bem mais modesto. Hoje, 26% da dívida líquida do setor público (que inclui a dívida externa e interna) é indexada ao dólar. Em 2002, chegou a 55%. Isso se deve em grande parte à redução da parcela da dívida doméstica corrigida pelo câmbio, que caiu de 37% em dezembro de 2002 para os atuais 11,24%.