Título: Economistas sugerem fim do centro da meta de inflação
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2006, Brasil, p. A3

O regime de metas de inflação veio para ficar, ao que tudo indica. Mesmo quem foi contrário à adoção do sistema pelo Brasil, em meados de 1999, como o ex-presidente do Banco Central (BC) Ibrahim Eris, considera que abandoná-lo custaria muito caro ao país, por abalar a credibilidade da política monetária. Isso não impede, porém, que haja um intenso debate sobre como aperfeiçoar o regime, de modo a torná-lo menos rígido e, com isso, abrir espaço para a redução dos juros reais. É o que fez o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, num estudo em que propõe algumas sugestões para aumentar a flexibilidade do sistema, como a adoção de uma banda de flutuação para os preços, com a eliminação de um ponto central para a meta e o abandono da exigência de atingir o alvo no ano-calendário. Para Agostini, o regime de metas é eficiente para controlar a inflação, mas o sistema adotado no Brasil tem sido muito rígido. O Banco Central (BC) persegue alvos muito ambiciosos e tem de cumpri-los em prazos curtos. Como resultado, os juros ficam em níveis muito elevados por muito tempo, e a economia cresce a taxas medíocres. Desde 1999, o Banco Central (BC) cumpriu a meta quatro vezes (1999, 2000, 2004 e 2005) e falhou em três (2001, 2002 e 2003). Nesse período, o crescimento médio foi de 2,3% e os juros reais, de 10,6%, na comparação da taxa Selic e do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulados no ano. A meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para 2006 é de 4,5%, com tolerância de 2 pontos percentuais, para cima ou para baixo. Agostini diz que a mudança mais importante seria eliminar o ponto central do alvo, definindo bandas de flutuação para o IPCA. Com isso, o BC não teria o compromisso com um número determinado, podendo administrar a política monetária com mais flexibilidade. Para ele, a banda poderia ter como piso e teto os números atuais, de 2,5% a 6,5%. "Isso seria muito benéfico à evolução da economia, porque esse sistema permitira absorver choques adversos por meio de um maior nível da inflação em determinados períodos de tempo, sem que seja necessário aumentar os juros caso haja alguma elevação temporária dos preços", afirma ele. A adoção de uma banda tem sido defendida há algum tempo por Eris. Para ele, seria melhor e menos custoso para o Brasil adotar como alvo um intervalo para a flutuação dos preços. A preocupação excessiva do BC em atingir o centro da meta tem exigido juros reais muito elevados, segundo Eris. Outro problema do regime brasileiro, segundo Eris, foi a definição de uma trajetória muito rápida para a queda da inflação, depois do choque observado em 2002, quando o IPCA atingiu 12,5%. A meta para 2005 - apenas três anos após o indicador ter superado dois dígitos - foi definida em 4,5%. Com uma trajetória tão ambiciosa para a inflação e um BC comprometido com a busca do centro da meta, o resultado foi a manutenção dos juros reais em níveis muito elevados. Em 2005, por exemplo, ficaram em 12,6%. O estudo de Agostini também propõe mudar o prazo para o cumprimento da meta. O regime brasileiro prevê que o alvo seja atingido a cada ano-calendário, o que também faz o BC ser mais rígido na condução da política monetária. Esse problema fica claro quando os índices de preços sobem muito no primeiro trimestre, por exemplo, mas a expectativa para os próximos meses é bastante favorável. Como já "consumiu" boa parte da gordura em poucos meses, muitas vezes o BC tenta derrubar os indicadores no resto do ano apenas para que a inflação acumulada no ano fechado fique mais próxima do alvo. Agostini acredita que, em vez de cumprir a meta no ano-calendário, o importante é manter a inflação acumulada em 12 meses dentro de um piso e um teto pré-determinados, que seriam decrescentes ao longo do tempo. Segundo ele, o limite inferior e o superior da banda seriam redefinidos a cada dois anos, com o estreitamento progressivo da diferença entre eles. Agostini defende outros pontos para aumentar a flexibilidade do regime. Um deles é a adoção de uma banda extra, para ser usada quando a economia sofre choques adversos, como uma desvalorização muito forte do câmbio. "Ela pode ser determinada explicitamente como uma cláusula de escape para que, em cenário de estresse, sejam ampliados os limites da banda original em dois pontos percentuais por um certo tempo, entre três e quatro meses", avalia Agostini. Mas isso não tornaria o regime flexível demais? "Não, seria apena a admissão de uma taxa de inflação maior por um curto espaço de tempo, sem colocar a credibilidade do sistema em xeque e, principalmente, sem onerar a atividade econômica", diz ele, que faz uma ressalva: "Para isso, é necessário uma comunicação objetiva, clara e transparente entre o BC e a sociedade." Por fim, Agostini acredita que seria positivo excluir os preços administrados, como tarifas de telefonia e energia elétrica, do indicador a ser usado como referência para o regime de metas. Desse modo, o BC passaria a monitorar apenas a inflação dos preços livres, os que são diretamente afetados pela política monetária.