Título: 20 setores pedem proteção contra China
Autor: Sérgio Leo e Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2006, Brasil, p. A4

O acordo firmado entre Brasil e China para imposição de cotas às compras de têxteis chineses pelos importadores brasileiros abriu caminho para acordos semelhantes em outros setores. Cerca de 20 outras categorias de produtos são candidatas a proteção contra a competição de mercadorias chinesas, informou ao Valor o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho. As autoridades da China informaram ao governo brasileiro que estão dispostas a negociar acordos semelhantes ao dos têxteis para evitar a imposição de salvaguardas contra os produtos do país . "A China não tem esse tipo de acordo (de cotas) para outros produtos industriais com nenhum outro país", afirmou Ramalho. No acordo sobre têxteis, o Brasil incluiu um parágrafo, o quarto, com a previsão de que ocorrerão as negociações para os demais setores ameaçados pela concorrência chinesa. Fabricantes de calçados, armações de óculos, máquinas para produção de plásticos e brinquedos já anunciaram seus pedidos de salvaguardas contra os chineses. Ramalho diz não poder confirmar que setores serão os candidatos à negociação. Ele alerta que os empresários deveriam usar mais o acordo geral de salvaguardas previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC), para evitar que, em alguns casos, a restrição aos produtos chineses sirva somente para abrir caminho a concorrentes de outros países. "Vamos selecionar as petições que têm consistência técnica, relativas a produtos com presença relevante no mercado nacional", disse Ramalho. "Vamos incluir esses pedidos em nossas negociações com os chineses." Nos próximos dias, Ramalho pretende se concentrar na formalização do acordo com os chineses, negociado há uma semana em Pequim. O Ministério do Desenvolvimento tem trocado correspondência com o governo da China para acertar um encontro entre o ministro Luiz Fernando Furlan e o ministro do Comércio chinês, Bo Xilai, que foi convidado a vir ao Brasil para concluir o acordo. "Podemos marcar um encontro para os ministros assinarem o acordo, ou usar a mala diplomática", disse o secretário. Só após a assinatura dos ministros começa a contar o prazo de 30 dias a partir do qual serão impostas as cotas. "Até agora, não registramos movimentação anormal provocada pelo acordo", informou Ramalho. Ontem, o Brasil notificou formalmente à OMC sobre a regulamentação das salvaguardas contra a China, quase cinco anos depois da entrada de Pequim na entidade. Os instrumentos permitem que os setores da industria brasileira que se sintam prejudicados pelas importações de produtos chineses solicitem salvaguardas (sobretaxas ou cotas). O bem-sucedido acordo em relação aos têxteis, aplaudido pelo setor privado, impede que o Brasil use esse instrumento contra os fabricantes de tecidos e fios chineses. Mas o acordo de ingresso da China na OMC permite que, até 2013, possam ser adotadas salvaguardas contra outros produtos. Depois de protocolado o pedido de proteção, pelo fabricante brasileiro, as regras brasileiras prevêem cerca 30 dias para negociações entre Brasil e China. Ramalho nota que o parágrafo 4º do acordo recém-firmado menciona especialmente que os governos se esforçarão para firmar acordos que evitem a aplicação de salvaguardas. Ramalho faz um alerta aos empresários nacionais: as salvaguardas contra a China podem não ter o efeito desejado, de proteger os fabricantes no Brasil. Ele lamenta que, desde 1994 até hoje, apenas duas vezes, no caso do coco ralado e dos brinquedos, fabricantes nacionais tenham lançado mão do acordo de salvaguardas da OMC. "É mais demorado, mais difícil, mas é mais eficaz", defende, ao manifestar o medo de "desvio de comércio" provocado pelas salvaguardas contra a China. "Se os importados ocupam 40% do mercado de ferramentas manuais, por exemplo, e a China detém 30% do total, uma salvaguarda contra a China poderia provocar apenas a expansão dos fabricantes estrangeiros que detém a fatia de 10% restantes, sem que os fabricantes brasileiros se beneficiem disso", argumenta, provavelmente repetindo um argumento levado à mesa de negociações pelos chineses.